sexta-feira, 20 de abril de 2018

Arsène FC

Quantos treinadores o clube que você torce teve desde 1996?

Se você for torcedor do Arsenal, essa pergunta, mesmo sendo feita em pleno ano de 2018, oferta resposta fácil: um.

Arsène Wenger assumiu o comando técnico do Arsenal vinte e dois anos atrás e simplesmente revolucionou a maneira de se jogar futebol em toda a Inglaterra. Se hoje a Premier League é a liga mais prazerosa de se assistir (e muitos concordam que sim, é), parte significativa disso é legado desse francês nascido em 1949.

Particularmente, tornei-me fã do Arsenal numa época em que Bergkamp e Henry eram os atacantes da equipe. E meu deslumbramento não se limitava ao ilimitado talento da dupla. Fui me dar conta, mais tarde, que o que mais gostava no Arsenal transcendia a soma das partes: era o todo. Um todo que era rotineiramente elaborado, construído e treinado, sessão a sessão, dia a dia, pelo Wenger.

Nas mais de duas décadas que acompanho futebol, vi muitos timaços serem formados, mantidos e desfeitos. Nenhum que se compare aos Invencíveis de 2003-4. Lehmann, Lauren, Touré, Campbell, Cole, Vieira, Gilberto Silva, Ljungberg, Pirès, Bergkamp e Henry, juntos e misturados traduziam a essência da filosofia de jogo de Wenger. O Arsenal foi ali, mais do que nunca, Arsène. Um time de contra-ataques arrebatadores. Que, de qualquer lugar do campo - principalmente se o gramado fosse o de Highbury Park -, conseguia chegar dentro da área adversária em cerca de meia dúzia de toques na esfera. Com tal performance encantadora, não importaria (ou pelo menos não deveria importar) se o time era campeão ou não. Mas os deuses da bola premiaram aquele maravilhoso plantel com o título invicto na mais difícil competição no formato de pontos corridos. E marcou-se uma Era.

No esporte em geral e no futebol em particular, vitórias, empates e derrotas são ocorrências difíceis de prever. Veja por exemplo as páginas de apostas: a tendência é o indivíduo, por melhor informado que seja, perder dinheiro em vez de ganhar. A banca se favorece da imprevisibilidade. Do contrário, ser um apostador de favoritos equivaleria a um investimento em renda fixa. Não é. Longe de ser.

Infelizmente, muitos torcedores de diversos clubes (afirmo com segurança de que estejamos nos referindo à esmagadora maioria) preferem um time que "jogue feio para vencer" do que uma equipe treinada para "jogar bonito". Evidentemente, a feiúra ou a beleza de um estilo de jogo não são garantias de que o resultado será positivo ou negativo. E se o futebol tem algum valor enquanto entretenimento, é obrigação do fã de esporte valorizar a filosofia por trás de um trabalho técnico e tático. E a filosofia de jogo implementada por Wenger no Arsenal é uma bênção ao esporte mais popular deste planeta que orbita ao redor do sol.

Sem Wenger, o mundo da bola perderá bastante de sua luz. Espero e torço para que o anúncio de sua despedida do Arsenal não seja o sinônimo de uma aposentadoria precoce. Mas, independentemente de para onde irá o professor, já lamento pela seperação entre Arsène e Arsenal.

Tirando A R S È N E do A R S E N A L, restará ao clube somente A L. Algo que não sabemos exatamente o que é. Na melhor das hipóteses, será um legado filosófico e procedimental de jogar futebol com a beleza que nos acostumamos a ver ao longo dos últimos vinte e dois anos. E, no pior dos cenários, estaria o Arsenal rumando para se tornar mais um clube sedento meramente pelo resultado. Que talvez conquiste o troféu que lhe falta. Mas que corre o risco de cair na vala comum de tudo aquilo que é perecível. Coisa que uma ideologia jamais será. Pois esta é imortal. Assim como Wenger, a quem ofereço respeito e reverência.

E encerro com as palavras dele:
Para todos os que amam o Arsenal, tomem conta dos valores do clube. O meu amor e apoio para sempre.

Obrigado!
Busto de Arsène Wenger no estádio Emirates: toda homenagem é insuficiente para a histórica trajetória do francês no clube.

domingo, 8 de abril de 2018

Daria Um Filme: Nos Acréscimos E Nos Pênaltis, Botafogo Vence Vasco E É Campeão Estadual

Alan Ball, Cameron Crowe, Julian Fellowes, Pedro Almodóvar, Sofia Coppola, Charlie Kaufman, Paul Haggis, Bobby Moresco, Michael Arndt, Diablo Cody e Dustin Lance Black.

Vou parar a lista em onze nomes, que é a quantidade de elementos que formam  um time de futebol. Todos aqueles indivíduos mencionados são  roteiristas vencedores do Oscar, prêmio máximo conferido pela indústria cinematográfica.

Vasco e Botafogo, pela final  no Campeonato Estadual 2018, se fosse filmado sem qualquer edição, daria um Oscar de melhor roteiro original para o documentarista que se apropriasse da obra escrita por Deus e roteirizada pelos deuses da bola. Um final impecável: expulsão nos acréscimos, gol no último lance (não é força de expressão, foi  no último lance mesmo) e triunfo definitivo nas cobranças de pênaltis.

Curiosamente, os três personagens citados são os três estrangeiros do cinema. Digo, do Botafogo.

Primeiro, Leo Valencia, meio-campista chileno que recebeu o cartão vermelho aos quarenta e oito minutos do segundo tempo de um jogo que parecia seguir ao zero a zero mesmo que fosse jogado por mais duas horas. Mas mal poderíamos esperar pelos próximos dois minutos...

Depois, Joel Carli, zagueiro argentino que se aventurou de atacante na necessidade de sua equipe marcar um gol. A bola o encontrou e ele a direcionou para a rede. E foi comemorar com o grande público, uma platéia que não caberia em nenhuma sala de reprodução audiovisual e que fez o próprio Maracanã parecer pequeno - os botafoguenses aplaudiam de pé, gritavam a plenos pulmões e festejavam efusivamente o gol que levaria o confronto às penalidades.

Finalmente, Gatito Fernández, goleiro paraguaio que teve em 2017 momentos heróicos na campanha histórica na Copa Libertadores da América. E que reviveu o protagonismo nesse oito de abril de dois mil e dezoito, defendendo duas cobranças e ajudando de maneira decisiva o Botafogo de Futebol e Regatas a ser aquilo que ele é desde 1907: campeão.

E o Oscar de melhor ator vai para... a torcida botafoguense. Por acreditar, até o final, no mais improvável dos roteiros. E por incentivar, desde o início, um elenco que possui limitações. Um filme que muitos alvinegros irão querer assistir de novo.
Elenco do Botafogo posa para a foto antes do jogo derradeiro no Estadual 2018: um campeão que foi herói em cada jogo.