Pressionada por uma imprensa - e um público geral - que foca no resultado do jogo ao invés de dar o devido valor à forma como a seleção atua, a Espanha tinha pela frente a Eslováquia na última rodada na fase de grupos na Eurocopa 2020. Um empate - resultado que classificaria os eslovacos - somente serviria aos espanhóis caso a Polônia vencesse a Suécia em partida realizada simultaneamente. E, considerando, que os suecos abriram o placar já no segundo minuto de jogo diante dos poloneses, já viu... [Apenas a nível de informação: Suécia e Polônia terminaria com vitória nórdica por três a dois, garantindo o primeiro lugar aos suecos e a lanterna aos poloneses.]
Totalmente alheia ao que ocorria em São Petersburgo, a seleção comandada por Luís Enrique tratou de fazer em Sevilla aquilo que mais sabe fazer: propôr jogo, rodar a bola, procurar o ataque. E fez isso muito bem, obrigado. Aos quatro minutos, Álvaro Morata chutou cruzado e o goleiro Martin Dúbravka espalmou para o lado esquerdo uma bola que passou perigosamente pela pequena área. No minuto seguinte, mais Espanha: Gerard Moreno tabelou, cruzou rasteiro em nova jogada pelo lado esquerdo de ataque e Dúbravka recolheu.
Aos oito, Koke conseguiu tomar a frente de Jakub Hromada e foi atingido dentro da área. Pênalti. Involuntário, é verdade, mas até um chute involuntário é capaz de derrubar. Com revisão do VAR, a cobrança foi realizada três minutos depois, aos onze. Morata na bola. E, de forma bastante coerente com a performance de Morata nessa Eurocopa, a cobrança terminou em defesa de Dúbravka.
Morata pára em defesa de Dúbravka: naquele momento, a Eurocopa chegava a onze pênaltis cobrados, sendo este o sexto desperdiçado. Foto: EFE. |
Antes de a partida ter início, um camarada que também está acompanhando a Eurocopa (blogueiro que administra a página Os Craques Na Rede) comentou comigo que Maurício Noriega, funcionário de uma emissora que está fazendo a cobertura do torneio, teria afirmado que "a Espanha tem nojo de fazer gol". Não sei muito bem o que o sr. Noriega estava fazendo durante o jogo em que a Espanha colocou o goleiro da Suécia para fazer pelo menos duas grandes defesas, em partida onde dominou por praticamente a totalidade da partida. Também não faço ideia de onde estava a atenção do mesmo Noriega diante do volume de jogo espanhol na segunda rodada, quando poderia ter feito o segundo gol sobre a Polônia, mas desperdiçou, entre outras chances, uma cobrança de pênalti. Não sei e, sinceramente, nem quero saber qual era a distração de Noriega durante este jogo de hoje da Espanha diante da Eslováquia. O fato é que, mesmo com o zero a zero em andamento, o que se via era uma Espanha sempre buscando o gol. Se isso é nojo, o dicionário é bastante falho em sua definição do termo.
Aos catorze minutos, mais Espanha no ataque: Sergio Busquets abriu na direita com Pablo Sarabia, que tocou para Koke em jogada de ultrapassagem rente à linha de fundo, rendendo escanteio. Aos dezoito, adivinha que seleção criava nova grande chance de gol? Pois é, a "nojenta" Espanha. Sarabia foi lançado e, de frente para o goleiro, sem nenhum marcador entre eles, não conseguiu finalizar. Ainda aos dezoito, nova chegada perigosa espanhola: César Azpilicueta se apresentou pelo lado direito e cruzou para Pedri, que fechou em liberdade mas não alcançou a bola com a perna esquerda. Aos vinte e três, a tentativa foi de fora da área, com Morata recebendo, trazendo pra perna direita e parando em bela defesa de Dúbravka, que espalmou no canto esquerdo.
Tanto a Espanha quanto o goleiro Dúbravka faziam uma ótima partida. O zero a zero refletia muito mais a atuação do eslocavo que vestia a camisa número um do que o desempenho coletivo espanhol. Mas, por uma ironia cruel do futebol, aos vinte e nove minutos, Dúbravka protagonizou uma falha bizarra que abriu o placar. Após erro da defesa da Eslováquia na saída de bola, Sarabia ajeitou e chutou com força uma bola que explodiu no travessão e imediatamente subiu. Por pura infelicidade do goleiro, sua tentativa de saltar para empurrar a bola em escanteio - um movimento muito mais simples do que defender uma cobrança de pênalti - foi totalmente frustrada. Com o sol batendo em seu rosto no momento do salto, perdeu a noção de onde estava o objeto esférico que tinha como alvo e, ao invés de empurrar a redonda por cima do travessão, acabou direcionando para dentro do próprio gol. Era simplesmente o terceiro gol contra de um goleiro nessa Eurocopa. Mas esse, de longe, o mais bisonho. No total, essa edição da Euro já conta com sete gols chutados - ou arremessados - contra o próprio patrimônio.
Ainda no primeiro tempo, a Espanha teve novas oportunidades interessantes. Na última delas, aos quarenta e sete minutos, a defesa eslovaca afastou mal após cobrança de escanteio e Pedri, esbanjando lucidez, deu boa enfiada de bola para Moreno, que cruzou para Aymeric Laporte cabecear no contrapé de Dúbravka. Dois a zero.
A Eslováquia, amplamente dominada, voltou do intervalo com duas substituições realizadas pelo treinador Štefan Tarkovič: saíram Ondrej Duda e Hromada (meio-campistas que pouco puderam fazer além de assistir a Espanha jogar), entraram Michal Ďuriš e Stanislav Lobotka. As mexidas e, talvez principalmente, a nova atitude da Eslováquia no jogo lançaram a equipe ao ataque. Afinal, a derrota por dois a zero tirava ela inclusive da zona de classificação dos quatro melhores terceiros colocados. Aos nove minutos, Ďuriš foi lançado na esquerda nas costas da defesa, mas finalizou fraco, facilitando para Unai Simon, que era praticamente um espectador dentro do gramado.
No minuto seguinte, uma ótima - e efetiva - resposta espanhola: Pedri acionou Jordi Alba na esquerda e o lateral cruzou para Sarabia, que completou no canto esquerdo. Três a zero.
Se eu te contasse que um chute de fora da área dado por Lukáš Haraslín, aos dezesseis minutos, que passou à esquerda do gol espanhol, seria o último ataque eslovaco na partida, você acreditaria? Pois acredite.
Luís Enrique começou a mexer na equipe aos vinte minutos, trocando Morata por Ferran Torres. E já no minuto seguinte, em sua primeira participação, em seu primeiro toque na bola, Torres foi "nojento": após assistência de Sarabia, Torres completou de letra. Golaço para estabelecer quatro a zero no placar.
Aos vinte e cinco, Luís Enrique mexeu em dobro: trocou Eric García e Busquets por Pau Torres e Thiago Alcântara. E, novamente, não demorou um minuto após a substituição para sair outro gol espanhol - e novamente com participação de alguém que acabara de entrar em campo. Após bola levantada, Laporte deu um primeiro cabeceio e Pau Torres, também usando a cabeça, centralizou o lance. Sem ter muito o que fazer diante da intensa presença de espanhóis, Juraj Kucka acabou marcando contra. Mais um pra vasta coleção dessa Eurocopa. Cinco a zero.
Espanhóis celebram o quinto gol na goleada sobre a Eslováquia. Os dez homens de linha da Espanha aparecem na imagem, até porque todos eles estavam quase sempre na área eslovaca... Foto: AFP. |
As duas últimas mexidas de Luís Enrique deram-se aos trinta e um minutos: Moreno e Azpilicueta deram lugar a Adama Traoré e Mikel Oyarzabal. E se alguém poderia imaginar que uma seleção se desfiguraria após ter meio time mexido - não é força de expressão: foram cinco substituições até aquele momento -, não entendeu ainda o que é uma filosofia de jogo. A Espanha permaneceu Espanha. Chances continuaram sendo criadas. Teve uma em cruzamento de Alba, aos trinta e cinco, com a bola atravessando bem a frente de Sarabia, Oyarzabal e do goleiro Dúbravka. Teve outra aos trinta e nove, quando Sarabia chutou de fora, por cima. Teve mais outra, em ótima troca de passes envolvendo Koke, Sarabia, Adama Traoré, Thiago e Pedri, com Dúbravka pegando. E teve uma última, quando Oyarzabal escapou de Kucka e mandou um chute que passou à direita.
Na boa, faça a crítica que quiser a essa seleção espanhola. Mas jamais diga que ela tem "nojo de gol". Hoje foram cinco, na maior goleada nessa Euro 2020, mas poderiam ter sido dez. Só que a quantidade de gols é apenas um detalhe. O que realmente importa é a intenção, a proposição, a estruturação do jogo. E isso, não há como negar, a Espanha é daquelas que mais dão gosto de ver jogar.
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