quinta-feira, 24 de junho de 2021

No Sufoco, Alemanha Empata Com A Aplicada Hungria E Consegue A Classificação

Antes de a Eurocopa 2020 ter início, o olhar lançado sobre o grupo F era carregado de certezas: Alemanha, França e Portugal disputariam, entre si, as duas vagas diretas e, possivelmente, um terceiro lugar que também viabilizasse a classificação. No final das contas,  o grupo de fato terminou com franceses, portugueses e alemães classificados. Mas, verdade seja dita, não há como falar desse grupo F sem citar o mérito, a valentia e a organização tática da Hungria.

Nessa quarta-feira, vinte e três de junho de dois mil e vinte e um, em Munique, pela terceira e última rodada na fase de grupos, o selecionado húngaro teve atuação gigante defensivamente. Conseguiu tornar a Alemanha, que esbanjara dinamismo na vitória sobre Portugal na rodada anterior, parecer um time previsível. Mas não se engane: a excepcional seleção comandada por Joachim Löw de previsível não tem nem o acento agudo. Se algo ou alguém fez parecer previsível a seleção alemã, esse algo é a extrema organização, disciplina e comprometimento táticos - e esse alguém é o treinador italiano Marco Rossi, que assina a presente obra.

A Hungria foi a campo precisando da vitória para garantir a classificação. Uma missão inglória, por ter como adversária a poderosa Alemanha de Löw. Mas longe do impossível para aqueles que sustentaram o zero a zero com o atual campeão europeu até os oitenta e três minutos; que arrancaram um empate com a atual campeã mundial; e que iam a campo em Munique dispostos a fazer história.

Aos dez minutos de jogo, essa história ganhava seu primeiro capítulo: após rápido contra-ataque, Roland Sallai cruzou (leia-se "passou via lançamento") e encontrou o voluntarioso centroavante Ádám Szalai, que conseguiu se posicionar entre Matthias Ginter e Mats Hummels para mergulhar com muito estilo e precisão, cabeceando no canto esquerdo do gol. Um a zero para os húngaros em pleno território alemão.

Aos vinte minutos, a sorte sorriu à Hungria em forma de ferro: após escanteio cobrado da direita por Joshua Kimmich, Hummels cabeceou no travessão.

Chovia e chovia forte em Munique. À beira do campo, tanto Löw quanto Rossi vestiam capas. Eles se protegiam das águas que caíam forte do céu. Mas quem melhor se protegia das investidas alemãs era a defesa húngara. Bastante compacta, reduzindo espaço entre linhas e coordenando movimentos laterais e verticais pelo gramado molhado, o selecionado húngaro fazia do sistema de marcação uma espécie de sinfonia, onde todos os instrumentos se mostravam perfeitamente entrosados, sob a batuta do maestro italiano que comandava seus músicos.

Veja bem: sou um profundo admirados do futebol ofensivo, que valoriza a posse de bola, que roda de pé em pé buscando a melhor opção, que faz uso de dribles, triangulações, ultrapassagens e infiltrações. Mas, uma marcação bem realizada, que consegue inviabilizar todo o sistema de criação de um adversário tecnicamente melhor qualificado, merece ser reverenciada. E não "somente" por isso, mas também pela admirável capacidade de sair com qualidade em contra-ataques, mesmo que de forma bastante esporádica.

As duas equipes voltaram com as mesmas formações para o segundo tempo, num indicativo de que o trabalho vinha sendo bem feito até então. E de fato era, mas se alguém precisava de alguma novidade, de alguma ruptura com a estratégia até então adotada, esse alguém era a Alemanha. Com muitas dificuldades de penetrar na defesa húngara - e entenda aqui a defesa como um setor que comporta a totalidade dos onze jogadores em campo -, os alemães ainda tomariam um susto aos dezesseis minutos: Attila Szalai cobrou falta pela esquerda e a bola carimbou a trave de Manuel Neuer.

Naquela altura dos acontecimentos, Löw já tinha trocado İlkay Gündoğan por Leon Goretzka. E, ainda insatisfeito com o impacto da alteração diante de uma inabalável Hungria, o técnico alemão conversava na beira do gramado com Thomas Müller , num prenúncio de que ele entraria no jogo a qualquer momento. Mas, antes mesmo que Müller entrasse em campo, a sorte sorriu para a Alemanha. E sorriu de forma cruel com o goleiro Péter Gulácsi: aos vinte minutos, o camisa um errou o tempo de bola na tentativa de intervenção em um lançamento, Hummels cabeceou e Kai Havertz, no lugar certo e na hora certa, completou também de cabeça para empatar a partida.

Momento após o gol de empate marcado por Havertz: o capitão Szalai e os torcedores húngaros parecem não acreditar no lance. Foto: Reuters.

Müller finalmente entrava em campo, e com a boa notícia de que o time não mais perdia. Junto com ele, entrou também Timo Werner - saíram Serge Gnabry e Havertz, que acabara de marcar o gol que igualava a contagem. A Hungria, sem tempo para lamentações, tratou de imediatamente reagir. E como reagiu bem! No minuto seguinte, em jogada que teve início com a saída de bola no meio do campo, Ádám Szalai deu uma cavada que desmontou a marcação, mandando nas costas tanto de Leroy Sané (que estava totalmente fora de posição) quanto de Hummels. A enfiada de bola encontrou András Schäfer, que chegou antes de Neuer e mandou para a rede. Se naquele momento não mais chovia sobre o campo de partida, o imediato gol de desempate húngaro era uma ducha de água fria no corpo e na alma da Alemanha. Se havia sido tão difícil marcar um gol sobre o aplicado adversário, o que dizer de ter que correr atrás dessa tarefa novamente, com o tempo reduzido e o cansaço ampliado?

Quem tomou a iniciativa das ações for Toni Kroos. As principais oportunidades tinham em comum, a partir daquele momento, o requisito de passar pelos pés do camisa oito. Aos trinta e três minutos, Kroos levantou, Goretzka não alcaçou e Gulácsi segurou. Aos trinta e quatro, Kroos cruzou pela esquerda e Müller cabeceou por cima. Aos trinta e cinco, Kroos tabelou com Robin Gosens, recebeu de volta em passe de primeira e bateu cruzado, com o lado externo do pé, mandando perto da trave esquerda.

O modo "tudo ou nada" foi definitivamente ativado por Löw nas duas derradeiras substituições, que se deram aos trinta e seis: as saídas de Ginter e de Gosens para as entradas de Kevin Volland e Jamal Musiala reforçaram o contingente ofensivo para tentar transpôr uma barreira que funcionava como uma engrenagem na árdua missão de resistir à pressão. E, aos trinta e oito, saiu o segundo gol alemão: em jogada envolvendo Werner e Musiala e Goretzka (três jogadores que entraram no segundo tempo), coube a Goretzka chutar rasteiro, no canto esquerdo. Melhor que o gol, só a comemoração: fazendo um gesto de coração direcionado para a torcida húngara, Goretzka, crítico de governos de extrema-direita, dava um recado sutil e potente contra a LGBTfobia. Nota: antes de a bola rolar, um ativista conseguiu entrar no gramado durante a cerimônia dos hinos nacionais e abrir a bandeira do arco-íris (a UEFA não mostrou essa cena em sua transmissão oficial). Recentemente, a Hungria aprovou legislação que proíbe "promoção" da homossexualidade para menores, num ato explicitamente homofóbico.

Aos quarenta, tentando dar novos capítulos à sua história na Euro 2020, a Hungria teve uma chance de ficar pela terceira vez na frente no placar: Kevin Varga, que substituíra Ádám Szalai, descolou passe calcanhar na passagem Attila Fiola - Kimmich cortou no momento exato. Cortou o lance e cortou as páginas de um livro que terminava de ser escrito ali. Pelo menos para a quase heroica Hungria. A Alemanha de Löw segue. E novos capítulos de bom futebol hão de ser redigidos por esse timaço.

No outro jogo da chave, França e Portugal empataram em dois a dois. Desta forma, estão definidos os cruzamentos nas oitavas de final.

País de Gales e Dinamarca, em Amsterdã.
Itália e Áustria, em Londres.
Holanda e República Tcheca, em Budapeste.
Bélgica e Portugal, em Sevilla.
Croácia e Espanha, em Copenhaguen.
França e Suíça, em Bucareste.
Inglaterra e Alemanha, em Londres.
Suécia e Ucrânia, em Glasgow.


O primeiro gol do jogo entre Alemanha e Hungria aconteceu antes de a bola rolar: importante mensagem em resposta a uma legislação homofóbica recentemente aprovada na Hungria. Isso a UEFA não mostra. Imagem extraída de Yahoo!.

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