Pela primeira vez na história da Eurocopa, a Inglaterra consegue chegar na final do torneio. Após o empate por um a um com a Dinamarca, a seleção inglesa triunfou na prorrogação ao marcar o segundo gol em num pênalti bastante duvidoso - e, na base da imposição física e do toque de bola, segurar o resultado que a qualificou para tentar o título inédito.
Acho um erro metodológico focar no pênalti bastante duvidoso. É bem verdade que ele mancha a partida e coloca em dúvida o mérito do English Team num confronto que poderia tranquilamente caminhar para o desempate por penalidades. Porém, analisando a totalidade de um confronto que teve mais de duas horas de jogo, foi flagrante a superioridade técnica e tática dos comandados de Gareth Southgate.
A Dinamarca fez uma Eurocopa a ser lembrada com carinho - tanto pela forma como atuou quanto, principalmente, pela capacidade de superar o episódio marcante ocorrido no primeiro tempo do jogo de estreia. Um episódio que tornou o evento esportivo secundário - até porque, uma Eurocopa pode ser disputada a cada quatro anos, mas uma pessoa - uma vida - é única. E o maior "título" possível nesse torneio foi o fato de Christian Eriksen continuar vivo.
Ingleses começam bem, mas Dinamarca mostra qualidade no contra-ataque
A primeira chegada de ataque mais interessante foi da Inglaterra e aconteceu envolvendo seus dois jogadores que atuam como referência no setor ofensivo. Aos cinco minutos, Harry Kane recebeu pela direita, cruzou em diagonal encontrando Raheem Sterling nas costas de Andreas Christensen, mas o camisa dez não conseguiu alcançar para concluir.
Aos nove, uma jogada de troca de passes de primeira da Dinamarca deu o tom de como essa equipe é bem treinada. Sim, precisamos reverenciar Kasper Hjulmand pelo que vem desempenhando no comando da seleção nórdica. Quando quatro jogadores trocam passes de primeira, acionando um companheiro em contra-ataque, temos que entender que isso tem o dedo do treinador. Na jogada envolvente, Mikkel Damsgaard por pouco não chegou na bola, com Kyle Walker fazendo a proteção para Jordan Pickford recolher.
Aos doze, Kane passou novamente para Sterling - dessa vez pelo lado esquerdo de ataque. Ele carregou pra direita acompanhado por Christensen e chutou fraco, para defesa de Kasper Schmeichel.
Essas duas chegadas de ataque inglesas, onde Kane agia como uma espécie de garçom de Sterling, deram uma boa síntese do posicionamento do camisa nove na maior parte do tempo de jogo. Ele estava usualmente fora da área, misturado com outros meio-campistas, e se mostrando participativo num setor que mostrava alguma carência na capacidade criativa. Essa carência em muito se deve em parte ao próprio treinador Southgate, que se mostra bastante resistente a usar jogadores como Phil Foden e Jack Grealish entre os titulares.
Dinamarca cresce, aparece e abre o placar em Wembley com o primeiro gol em cobrança de falta nessa edição
Aos catorze minutos, Pierre-Emile Højbjerg chutou rasteiro e parou em defesa de Pickford. No minuto seguinte, uma saída ruim de Pickford - que logo se desculpou com os companheiros - deu origem a uma chegada perigosa da Dinamarca, transformando-se em escanteio.
Passado o susto, a Inglaterra parecia retomar o controle territorial do setor de meio de campo. Mas a Dinamarca tinha seus recursos: aos vinte e quatro, Jannik Vestergaard tirou a bola de Kane no campo defensivo e deu início a um contra-ataque que que chegou até Damsgaard. Ele chutou cruzado buscando o ângulo esquerdo, mas a bola acabou indo para fora.
Aos vinte e seis minutos, Pickford superava uma marca do lendário goleiro Gordon Banks - ele acabava de completar setecentos e vinte e três minutos sem ser vazado pela seleção inglesa.
Com o recorde estabelecido, veja o que é o futebol: apenas três minutos depois do feito histórico, a Dinamarca tinha uma cobrança de falta. Damsgaard na bola. O mesmo Damsgaard que ficou no quase duas vezes anteriormente. E Damsgaard foi brilhante: ele conseguiu fazer a bola encobrir uma barreira alta (com Kane pulando e não alcançando) e fazer a bola perder altura rapidamente, surpreendendo Pickford, que até resvalou na redonda mas sem ser capaz de evitar o gol. O primeiro gol sofrido por ele nessa Euro. O primeiro gol em cobrança de falta nessa edição. Um belo gol de Damsgaard. Dinamarca um a zero em pleno estádio de Wembley.
Inglaterra reage e alcança o empate ainda no primeiro tempo
Pela primeira vez atrás no placar em todo o andamento da competição - afinal, sequer havia sofrido um único gol até então -, a Inglaterra não demorou a levantar a cabeça, sacodir a poeira e dar a volta por cima.
Aos trinta e sete minutos, um ensaio do gol de empate: Bukayo Saka tocou para Kane pela direita, o camisa nove cruzou e Sterling, de frente para o gol, teve seu chute defendido em excepcional intervenção de Schmeichel.
No minuto seguinte, o que era ensaio virou o gol de empate propriamente dito. E envolvendo os mesmos personagens da trama anterior: Saka recebeu de Kane pela direita e cruzou buscando Sterling, que simplesmente completaria para a rede. Só que Simon Kjær, de carrinho, evitou que a bola chegasse em Sterling - mas não na rede, marcando contra. Um a um em Londres.
Deitado após o carrinho, Simon Kjær vê a bola no fundo da rede. Foto: AFP. |
Segundo tempo tem início com equipes alternando possibilidades de gol
Quando Kasper Dolberg recebeu de Joakim Mæhle e teve seu chute rasteiro espalmado por Pickford no canto direito, já havia impedimento no lance. Porém, aquela chegada aos seis minutos mostrava o ímpeto dinamarquês em retomar a liderança no placar.
A Inglaterra não ficava atrás e tratou de responder três minutos depois: aos nove, após Mæhle cometer falta em Kane, Jason Mount foi para a cobrança, levantou na área, Harry Maguire conseguiu cabecear no canto direito e Schmeichel tratou de salvar, espalmando.
Na marca de treze minutos, uma bonita jogada da Dinamarca: Højbjerg avançou pela direita e rolou a bola na direção de Martin Braithwaite, que fez o corta-luz. Na sequência, Dolberg girou e chutou rasteiro, com Pickford fazendo a defesa.
Aos dezoito, era a vez dos ingleses: Sterling carregou pela esquerda, entregou para Saka, que deixou com Mount - o chute foi defendido com segurança por Schmeichel.
Cansaço começa a bater à porta dinamarquesa e três substituições simultâneas são realizadas
Com vinte e um minutos, Hjulmand mexeu triplamente em sua equipe. Saíram Stryger Larsen, Damsgaard e Dolberg para as entradas de Daniel Wass, Yussuf Poulsen e Christian Nørgaard. São três alterações que remetem ao jogo de quartas de final com a República Tcheca, quando as três primeiras mexidas na equipe foram exatamente envolvendo esses jogadores.
Aos vinte e três, foi a vez de Southgate mexer, promovendo a entrada de Jack Grealish no lugar de Saka. E, tal qual ocorreu na partida de oitavas de final diante da Alemanha (curiosamente no mesmo minuto de jogo), Grealish foi para o lado esquerdo e Sterling passou a aparecer mais rotineiramente pela direita.
Inglaterra assume o controle na partida
Aos vinte e sete minutos, Kane abriu o jogo na direita com Mount, que cruzou fechado, com Schmeichel dando um tapa para escanteio em bola que parecia ter o endereço do gol.
Na marca de trinta e dois minutos, Grealish receberia ótima enfiada de bola. Receberia, no futuro do pretérito, pois Christensen se agigantou esticando a perna e fazendo interceptação quase acrobática. Só que a dita acrobacia acabou contundindo o defensor dinamarquês, que precisou ser substituído - Joachim Andersen entrou em seu lugar.
Aos trinta e quatro, Kalvin Phillips tentou de fora da área e a bola saiu à direita. Três minutos depois, Luke Shaw levantou pela esquerda em lance de bola parada e John Stones cabeceou à esquerda.
A quinta substituição de Hjulmand deu-se aos quarenta e dois minutos, tirando Thomas Delaney - jogador que merece os elogios pela partida e pela Eurocopa que realizou - para a entrada de Mathias Jensen.
A Inglaterra mostrava uma condição física bastante superior à Dinamarca, notadamente por Southgate carregar a equipe até o final dos noventa minutos tendo feito apenas aquela troca de Saka por Grealish. E o English Team teve ainda duas oportunidades de marcar nos acréscimos. Aos quarenta e sete minutos, Sterling tinha a bola pela direita, passou para Kane - recuado, como em quase todo o decorrer do jogo - e o camisa nove rolou atrás para Phillips, que chutou de fora, mandando por cima do travessão. Dois minutos depois, aos quarenta e nove, após lance de bola parada pela direita, Maguire, soberano no jogo aéreo, cabeceou no segundo poste e Schmeichel foi buscar no canto direito.
Mais uma vez nessa Euro, a definição da vaga rumava para a prorrogação
Sobrando fisicamente, Inglaterra consegue se impôr. Mas só chega ao gol em lance para lá de duvidoso
Aos três minutos, Kane recebeu pela direita nas costas de Vestergaard e chutou cruzado, para defesaça de Schmeichel com a mão direita.
Pouco após o lance, Southgate trocou Declan Rice e Mount por Jordan Henderson e Phil Foden. Sim, demorou mais de uma hora e meia para o talentoso Foden finalmente ser mandado a campo.
Aos sete, o camisa sete Grealish chutou firme e Schmeichel rebateu.
Os ingleses tinham a bola mas a Dinamarca se defendia bem. Até que, aos onze minutos, Sterling entrou na área pelo lado direito. Era perseguido por Mæhle. Caiu na grama. Assistindo ao vivo, parecia ter havido um toque. Mas ao olhar o lance de novo, e novamente, e mais uma vez, e por outro ângulo, fica muito difícil assegurar que tenha havido qualquer contato capaz de tombar Sterling. Ainda assim, a penalidade foi confirmada. De forma admirável, a seleção dinamarquesa pouco reclamou. Algo que transcende a competitividade e o calor do jogo. A isso, podemos chamar "educação".
Raheem Sterling cai na área - o árbitro holandês Danny Makkelie, que não aparece na foto, diz que houve pênalti. Imagem extraída do Twitter Sensacionalista. |
A cobrança do pênalti - que sabe-se lá se foi realmente pênalti - coube a Harry Kane. Existe uma máxima futebolística que diz que pênalti que não é, não entra. Kasper Schmeichel deu uma mãozinha para o ditado popular e defendeu no canto esquerdo. Só que o rebote ficou com o próprio Kane. E, no jargão, não diz nada sobre rebote de pênalti que não é... Dois a um Inglaterra.
Harry Kane e Phil Foden em êxtase com o gol na prorrogação: a Inglaterra fazia dois a um sobre a Dinamarca. Foto: AFP. |
Sem forças para reagir, Dinamarca entra na roda inglesa
No intervalo, uma mexida para cada lado: enquanto a Inglaterra trocava Grealish por Kieran Trippier (sim, senhoras e senhores, mesmo com a flagrante imposição física e superioridade técnica, o treinador Gareth Southgate optou por tirar Grealish de campo, colocar um homem na lateral e centralizar Walker, aumentando o contingente defensivo), o técnico Hjulmand, por sua vez, promoveu a entrada do atacante Jonas Older Wind no lugar do defensor Verstergaard.
Aos oito minutos, uma chegada com Braithwaite que foi frustrada pela boa marcação de Maguire e pela ação de Pickford foi a última ação ofensiva dinamarquesa. A Inglaterra, exercendo domínio territorial e circulando a bola sem qualquer sede de ampliar a vantagem, fazia o tempo passar. E ainda teve, aos quinze, uma situação derradeira, quando Sterling avançou pela direita, deixou Andersen para trás e parou em bloqueio de Schmeichel.
Desta forma, a seleção inglesa chega à sua primeira final de Eurocopa. É a equipe que mais me impressionou pela consistência tática. Tem um jeito de jogar bem definido, sendo sólida na defesa e contando com ótima proteção na dupla Phillips e Rice, gozando de boa qualidade técnica no último terço do gramado. É difícil apontar uma seleção com qualquer espécie de favoritismo na final, mas, analisando friamente, vejo a Inglaterra com maiores possibilidades do que a Itália em Wembley. Aguardemos. Minha maior torcida é para que Southgate não tenha medo de soltar o freio de mão de uma equipe que tem, sim, algo mais a oferecer.
À Dinamarca, meus parabéns. Fez belíssimo papel no torneio. E, graças a Deus, salvaram-se todos. Viva Eriksen!
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