O mítico estádio de Wembley recebeu na fase oitavas de final nessa Eurocopa 2020 aquele que pode ser considerado um dos maiores clássicos do futebol mundial. Seleções que, num passado não muito distante, atuavam como se estivessem jogando pinball - haja repetição pra ficar uma partida inteira lançando a bola pra longe à espera do cabeceio perfeito. Só que, felizmente, nesse vinte e nove de junho de dois mil e vinte e um, não era pinball - era, de fato e de direito, futebol o que se jogava no gramado londrino.
Alguns até poderão reclamar que faltaram situações de gol no jogo. É uma crítica justa, mas que não traz a devida profundidade para analisar o que foi a partida. Embora seja verdadeiro que não tenha havido muito mais do que três grandes oportunidades para cada lado, é absolutamente incontestável que ingleses e alemães, sob o comando de Gareth Southgate e Joachim Löw, travaram um dos mais interessantes confrontos táticos nessa edição do torneio. E esse dois treinadores merecem todos os créditos por isso. Enquanto Southgate ainda pode conduzir a Inglaterra ao título continental, Löw fez hoje sua despedida da Euro e também da seleção alemã - deixo aqui registrado que já estou com saudades.
Nesse blógui, elogiei por diversas vezes a Alemanha de Löw. Seguem, a título de ilustração, sete sugestões de leitura: 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Afinal, o número sete traz ótimas recordações aos amantes do futebol arte, mais precisamente por causa de um evento que aconteceu sete anos atrás...
Só que hoje gostaria de falar um pouco mais dessa seleção inglesa.
Se a gente se debruçar sobre a consistência do jogo do English Team, teremos material suficiente para publicar um tutorial de o que fazer e como fazer para dar a uma partida de futebol a cara que se deseja dar a ela. E com um detalhe: tendo sempre a disposição e a organização necessárias para entrar de forma recorrente no campo de defesa do adversário. Porque uma coisa é você se abdicar do jogo e esperar o oponente te atacar. Outra, é fazer o que a Inglaterra faz de forma exemplar: enfrentar uma grande equipe de peito aberto, defesa postada e com bastante movimentação.
Talvez a primeira lição seja a da resistência. Resistir a uma equipe que chegava ao ataque com Kimmich e Gosens pelos flancos, com Havertz centralizado e tendo Werner como referência mais à frente. Claro que a atuação discreta de Müller compromete o jogo coletivo dos comandados de Löw, mas a Alemanha ainda era Alemanha. Aos trinta e um minutos, na primeira situação em que o sistema defensivo inglês não foi capaz de parar o ataque adversário, o goleiro Jordan Pickford agiu muito bem para bloquear Werner após ótimo passe de Havertz, numa jogada de ataque alemão made in England, afinal, eles são companheiros de Chelsea.
De resto, o que se viu foi Walker, Stones e Maguire formando uma trinca intransponível, com Trippier e Shaw reforçando a marcação pelos flancos. Uma formação que, no papel, é excessivamente defensiva. Notadamente pelo fato de que todos esses cinco tratam-se de jogadores fundamentalmente escalados para marcar e fechar espaços. De quebra, há ainda Phillips e Rice logo adiante. Efetivamente dedicados a construir, quebrar linhas, infiltrar e produzir ofensivamente, somente o trio Saka, Sterling e Kane. Mas o futebol não se analisa pelo que está escrito no papel. Ele precisa ser assistido. E, em se tratando de um Inglaterra e Alemanha como esse, apreciado.
No segundo tempo, um chute forte de Havertz logo aos dois minutos obrigou Pickford a fazer a mais bonita defesa de toda a partida. Poderia ser o indício de que a Alemanha chegaria mais forte para a etapa complementar. Poderia, mas não se confirmou. A bem da verdade, os alemães teriam ainda duas boas chances (uma para abrir o placar, com Werner; outra para empatar o jogo, com Müller) e ambas nasceriam de bolas perdidas por Sterling no campo de ataque.
Mas como criticar Sterling num jogo como esse? Entre um erro e outro, aos vinte e nove minutos, foi exatamente o atacante do Manchester City quem iniciou a jogada que abriu o placar em Londres. Aliás, que jogada! Com toques rápidos na bola, Sterling, Kane, Grealish (que entrara no lugar de Saka) e Shaw participaram de um lance que deixou a Alemanha totalmente envolvida pela troca de passes da Inglaterra. Na conclusão da ótima trama ofensiva, Sterling marcou o terceiro gol dele e da Inglaterra na Euro 2020.
Raheem Sterling comemora o gol: jogador vem se destacando com a camisa da Inglaterra nessa Eurocopa 2020. Foto: Andy Rain / POOL / EPA. |
Fiel à sua forma de jogar, a seleção inglesa nem recuou nem se tornou mais incisiva. Ela simplesmente, movimento a movimento, observando o comportamento dos jogadores alemães, foi procurando brechas para conseguir chegar ao segundo gol. Aos quarenta minutos, a tal da brecha se tornou uma porta aberta quando Shaw recuperou a posse de bola na altura do meio do campo, avançou, abriu na esquerda com Grealish e o camisa sete, que entrou muito bem no jogo, cruzou à meia altura para Kane. O centroavante, acostumado a marcar gols com a camisa do Tottenham mas sem ter anotado nenhuma vez nessa Eurocopa, poderia bater de voleio - coisa que, por sinal, ele sabe fazer. Mas preferiu usar a cabeça: numa fração de segundo, movimentou o corpo se inclinando na angulação necessária e cabeceando para o chão, marcando dois a zero no jogo e saindo da seca de gols na competição.
Momento exato em que Harry Kane fica duas toneladas mais leve. Foto: Reuters. |
A Alemanha era toda ataque. E quando digo toda, estou incluindo o goleiro Neuer, que atuava praticamente na linha que divide o gramado. A melhor chance da equipe - diria, inclusive, que a única digna de nota após o prejuízo de dois gols no placar - foi aos quarenta e cinco, numa puxada de Goretzka que Havertz não conseguiu alcançar.
Há que se respeitar o trabalho tático de Southgate na seleção inglesa. A forma como conseguiu conter a Alemanha é reveladora. É possivelmente o time melhor estruturado para inibir o potencial criativo do oponente sem deixar de fazer a transição ao ataque com qualidade. A Inglaterra marca forte e de forma compacta, diminui espaços, dá combate e apresenta bom volume de jogo com a posse de bola. Há formas de fazer essa equipe jogar melhor? Sem a menor dúvida, há. Gostaria de ver, por exemplo, Foden, Grealish, Saka, Kane e Sterling juntos entre os titulares. Isso sem falar em Sancho, jogador bastante querido pelo torcedor e que raramente é aproveitado. Mas, ainda assim, gosto da forma altamente organizada que a equipe atua. Não me enche os olhos como uma Alemanha de Löw, mas é possivelmente a Inglaterra taticamente mais consistente na proposição de jogo que já tive a oportunidade de acompanhar. É fortíssima candidata a levantar o caneco em Wembley. Espero que, se isso acontecer, que seja aproveitando seus jogadores mais talentosos.
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