domingo, 10 de julho de 2016

Longe De Encantar, Portugal Fatura Inédita Eurocopa

O que seria de Portugal sem Cristiano Ronaldo?

O futebol respondeu essa pergunta hoje: campeão da Eurocopa.

Foi sem seu principal astro e capitão que a seleção portuguesa enfrentou a França durante mais de 80% do tempo de jogo na final em Paris. Esbanjando aplicação tática e força coletiva, os comandados de Fernando Santos foram bem-sucedidos na famigerada estratégia de "jogar por uma bola". Na covarde postura de reagir em vez de propôr, a bola do "golo" saiu no segundo tempo da prorrogação, em chute de Éder, de fora da área.
Éder, que entrou no lugar de Renato Sanches, comemora o gol do título. Foto: Christian Hartmann / Reuters.

Foi justo o título português?

O futebol enquanto esporte e o futebol enquanto arte oferecem respostas distintas para essa indagação.

No sentido da estrita competitividade, Portugal é campeão europeu com justiça. Jogou pelo regulamento. Já no sentido da qualidade do entretenimento, da diversão, do prazer em assistir um jogo desse tão antigo esporte bretão, o título português é de uma injustiça tremenda. Pelo futebol apresentado, poderia ter se despedido na fase de grupos, quando empatou três partidas numa chave onde era apontada como a maior força. Mas viu a Islândia e, principalmente, a Hungria encantarem naquela etapa da competição. A própria Áustria, que perdeu para aquelas seleções, conseguiu conter os lusitanos. Senhoras e senhores de todas as idades, se o primeiro critério de desempate fosse o número de vitórias, Portugal estaria eliminado com a campanha de três empates. Classificou-se com saldo zero. Graças, por exemplo, à goleada da seleção espanhola sobre a Turquia. Ou à vitória francesa sobre a Albânia. Coisas do futebol (e do regulamento).

Passou pela Croácia na prorrogação, em jogo onde viu o adversário criar as maiores chances de gol. Passou pela Polônia nos pênaltis. No tempo regulamentar, somente conseguiu superar o País de Gales, que sucumbiu na ausência de Aaron Ramsey. Mas pior que os placares em si, era o desenvolvimento dos jogos: a seleção portuguesa resumia sua produtividade a sair em velocidade e colocar a bola na área.

Talvez o grande mérito de Portugal tenha sido o de conseguir manter seu nível de jogo sem o seu jogador mais badalado - embora, diga-se, o nível de jogo português não é lá grandes coisas. Prima, isto sim, pela competitividade e pela capacidade de dar à partida uma feição que lhe ofereça condições favoráveis para "brigar" pelo resultado. Não duvido que possa haver uma "inspiração" na Grécia de 2004, um dos maiores traumas de Portugal, e seleção que teve recentemente como treinador o próprio Fernando Santos. Ao futebol, um presente de grego.

Faltou à França o futebol que apresentou em outros momentos no torneio. Os primeiros 45 minutos diante da Islândia, por exemplo, foram mais convincentes que a soma de cada segundo português na Eurocopa inteira. Mas o que fica registrado é o resultado. Brasileiros em geral (incluindo aí parcela majoritária e quase unânime da mídia) eram satisfeitíssimos com o "trabalho" de Dunga. Baseavam-se nos títulos na Copa América, Copa das Confederações e primeiro lugar também nas Eliminatórias. Até cair para a Holanda nas quartas do Mundial. A partir daí, Dunga já não mais prestava. Mas o mundo gira, e se Mano Menezes e Luiz Felipe Scolari também não prestam mais, chamemos o Dunga de novo. Dessa vez, os resultados não "permitiram" que fosse mantido até uma eventual Copa do Mundo em 2018. Só que o que pouco se aborda é que, no jeito de jogar, a seleção de Dunga ficou na fronteira da mediocridade nas vitórias, nos empates e nas derrotas. Acontece que, nas vitórias, tá tudo bem quanto ao fato de ser medíocre... Enquanto essa cultura do resultado sentenciar que um treinador seja bom ou ruim em função de placares e posições, estaremos fadados a vermos gente afirmar que Portugal mereceu o título. Se mereceu, então, o futebol é que não merece Portugal. Com ou sem Cristiano Ronaldo.

domingo, 3 de julho de 2016

Resumão Das Quartas Na Eurocopa 2016

As quartas-de-final na UEFA Euro 2016 reservaram fortes emoções aos apaixonados por futebol. De surpresas a confirmações de favoritismo, de jogos definidos nos pênaltis a goleada, bastante coisa aconteceu de interessante entre quinta-feira e domingo. Vamos a alguns pitacos.

[1] Polônia 1(3)a(5)1 Portugal.
[1.1] Saiu o primeiro gol de Robert Lewandowski na Eurocopa 2016. Logo no início da partida, ele aproveitou passe de Grosicki em jogada pela esquerda e completou esbanjando aquele oportunismo habitual que é exibido temporada após temporada na Bundesliga.
[1.2] Renato Sanches, jovem talento que será parceiro de Lewandowski no Bayern de Munique, mostrou que está pronto e preparado para ajudar a seleção portuguesa. Marcou o gol de empate após tabela com Nani e, principalmente, se ofereceu à equipe. Demonstra mais senso de coletividade que alguns astros consagrados (sim, isso foi uma indireta - que com esses parênteses se torna direta - ao Cristiano Ronaldo).
[1.3] Desempate por pênaltis é uma coisa que foge completamente da análise pragmática: na definição da classificação portuguesa, eis que o único polonês a desperdiçar a cobrança foi exatamente aquele jogador que tem uma das melhores pontarias da equipe: Blaszczykowski. Grande defesa do goleiro Rui Patrício.
[1.4] Capricho dos deuses do futebol que a cobrança derradeira tenha cabido a Ricardo Quaresma. O tatuado camisa 20, que veio do banco para novamente contribuir, vem fazendo bela competição e dando uma força ofensiva muito útil para abrir a última linha de defesa adversária, principalmente pelos flancos.

[2] País de Gales 3a1 Bélgica.
[2.1] Considerando a diferença de nível técnico entre as equipes (com todo respeito aos galeses, que têm muitas qualidades) e a circunstância do jogo (leia-se o golaço de Nainggolan aos doze minutos para abrir a contagem), País de Gales conseguiu um resultado histórico ao conseguir virar a partida.
[2.2] Curiosamente, em nenhum dos três gols houve participação direta do sempre participativo Gareth Bale. Coube a Aaron Ramsey conduzir a classificação com duas assistências na partida. Sua suspensão a ser cumprida na semifinal terá, sem dúvida, um impacto no time. Será desafiador jogar sem o cerebral camisa 10.
[2.3] A excepcional geração belga merece os elogios que recebe e o que Marc Wilmots vem fazendo frente a esta seleção é algo que não pode ser jogador fora pura e simplesmente devido a uma ou outra eliminação. Deve, isto sim, ser exaltado o esforço de fazer um elenco talentoso jogar de maneira a evidenciar essa capacidade técnica acima da média. Os desfalques na última linha de defesa pesaram, mas talvez sejam os jovens que não funcionaram nesse jogo aqueles que irão suceder os mais experientes. E Wilmots mostra sensatez ao pedir que os garotos sejam poupados de críticas. Hoje, a Bélgica caminha no sentido certo.

[3] Alemanha 1(6)a(5)1 Itália.
[3.1] Embora dominante territorialmente e sendo propositiva na maior parte do tempo, a Alemanha esbarrou na estratégia italiana. Uma estratégia que, diferentemente das oitavas diante da Espanha, zelou muito mais pelo anti-jogo do que por qualquer outra coisa. A Azzurra jogou por menos do que "uma bola". Se pudesse definir a classificação no cara-ou-coroa, provavelmente Antonio Conte se prontificaria a fazê-lo.
[3.2] Inegável que haja mais qualidade na equipe alemã, mas não justifica o excesso de defensivismo italiano na partida. De toda forma, fica evidente que os campeões mundiais, com toda a dificuldade que tiveram para obter a classificação, não são um time imbatível. Mas são o time a ser batido. Um time que dá gosto de ver jogar, mesmo quando o jogo é truncado.
[3.3] Seguindo o fluxo ilógico de um esporte onde vemos perderem pênaltis Lionel Messi e Arturo Vidal numa final de Copa América, a Alemanha viu Müller, Özil e Scweinsteiger desperdiçarem cobranças. Buffon estava pronto para sair como herói. Mas Neuer, com a frieza e a competência que lhe caracterizam, conseguiu ajudar os alemães a, finalmente, superarem os italianos em "jogo pra valer".
[3.4] Apenas para não deixar passar em branco: Boateng cometeu o pênalti convertido por Bonucci porque marcava corretamente o Chiellini. Curiosamente, seus braços esticados de modo a não cometer infrações no adversário, acabaram encontrando a bola naquela cobrança de escanteio. Faz grande Eurocopa o defensor alemão, que terá a missão de conduzir novamente o setor, dessa vez sem Hummels ao lado.

[4] França 5a2 Islândia.
[4.1] Possivelmente a melhor atuação de uma seleção nos primeiros quarenta e cinco minutos de partida nessa Euro. 4a0 com autoridade, naturalidade, intensidade. Tudo junto e misturado num liquidificador que triturou completamente a defesa e o sonho islandês em Paris. Deschamps conseguiu o ponto de equilíbrio num time marcado pela leveza e movimentação. Grandes atuações de Payet e Griezmann.
[4.2] A Islândia fez história nessa Eurocopa. Marcando gol em todos os jogos, não se intimidando em nenhum deles, procurando sair para o jogo quando via a possibilidade - conseguiu superar as próprias limitações e proporcionar um nível de competitividade de uma maneira a protagonizar jogos agradáveis de se assistir. Sair com uma goleada nas costas é doloroso. Mas a campanha viking na França é para ser lembrada com carinho por gerações. Sobretudo pela mobilização popular, desde as menos conhecidas cidades islandesas até as arquibancadas dos mais famosos estádios franceses. Engrandeceu o futebol. E merece os nossos aplausos.
Sinergia entre time, torcida e nação: a Islândia deu um espetáculo na França. Foto: Reuters / C. Hartmann.