segunda-feira, 28 de junho de 2021

Era Uma Vez, Um Jogo Para A História: Suíça Elimina A França Em Partida Emocionante

França e Suíça fizeram um jogo para ficar guardado na memória. Hoje, vinte e oito de junho de dois mil e vinte e um, digito as presentes palavras torcendo para que, ao lê-las num futuro qualquer, possa conseguir trazer de volta as imagens dessa partida. 

O futebol é um jogo com início, meio e fim. Apesar dessa inevitável finitude, tudo o que acontece entre o apito inicial e o derradeiro não se repete jamais. E esse confronto válido pela fase oitavas de final na Eurocopa 2020, com toda a sua singularidade, remete ao que existe de melhor nessa modalidade esportiva.

Remete, logo de cara, à máxima de que o jogo é jogado, isto é, que ninguém ganha de véspera. Remete, também, ao pensamento de que a melhor defesa é o ataque. E como é gostoso digitar uma frase dessa! A melhor defesa é o ataque.  Tanto franceses quanto suíços saborearam, em Bucareste, essa realidade.

Foi precisamente quando a França mais se lançou ao ataque, que conseguiu os seus três gols na partida. E poderiam ter sido mais! Com o relógio ainda mais apertado do que quando a França alcançou seus gols, a Suíça se mandou para o campo ofensivo e conseguiu buscar um empate que parecia improvável.

Ah, o improvável! Que bacana que essa palavra existe! O mundo estaria condenado à tristeza se improvável e impossível fossem uma coisa só! A probabilidade nos salva da certeza. E, na dúvida, há um universo de possibilidades. O jogo tinha infinitas possibilidades de ser diferente. Sorte que não foi!

O jogo de hoje, que foi exatamente como tinha que ser, premiou os amantes do futebol com uma bênção em forma de partida eliminatória. Para êxtase geral, com direito à prorrogação. E, de bônus, pênaltis, para aumentar a dose de emoção. Me permitam outra máxima: o futebol é a maior invenção do homem.

Então, peço licença para contar abaixo uma rápida história, baseada em fatos reais.

Capítulo 1: a Suíça abre o placar

Quando Haris Seferović recebeu ótimo cruzamento de Steven Zuber, tanto um quanto outro estavam no exercício pleno de suas funções. Zuber, que atua pelo flanco esquerdo e é bastante participativo no jogo, cruzou uma bola que podemos chamar de passe. Mais caprichado que isso, somente se estivesse embrulhado para presente.

Mas não precisava estar. Para Seferović, toda encomenda que chega é recebida com carinho. E essa, entregue com tanto zelo, não poderia ser diferente. O camisa nove honrou a tradição do número que carrega no uniforme e, cheio de oportunismo, cabeceou no canto direito, para goleiro nenhum interceptar - nem mesmo um Hugo Lloris. 

E aqui, no primeiro capítulo dessa breve história, eu me recuso a culpar Clement Lenglet no lance. Quero, em verdade, é te agradecer, Lenglet. Graças ao fato de Seferović ter se posicionado melhor do que você, o jogo foi do jeito que foi. E o jogo ter sido do jeito que foi, passava necessariamente por esse gol de Seferović para abrir a contagem aos catorze minutos no primeiro tempo.

Capítulo 2: a França tem pelo menos quatro chances antes do intervalo, e nada

Antes de mais nada, não pense você que o fato de a França ter tido pelo menos quatro oportunidades de gol, que apenas ela atacou. Não mesmo. É que ela, fundamentalmente pela qualidade de seus jogadores postados mais à frente, conseguiu desencadear situações mais interessantes. 

Dito isto, vamos agora falar sobre uma parceria iniciada anos atrás no Paris Saint-Germain: Kylian Mbappé tocou para seu antigo companheiro Adrien Rabiot. Rabiot se mudou para Turim, onde defende a Juventus. Mbappé seguiu em Paris, com as cores do PSG. Mas parece que não esqueceram os tempos juntos de outrora.

O tal toque de Mbappé para Rabiot teve sequência com um cruzamento para a área. Só que Karim Benzema, que não mora atualmente nem em Paris, nem em Turim, mas em Madrid, foi mais rápido que a bola, e o cobiçado objeto esférico passou nas suas costas.

Aos vinte e cinco minutos, havia uma falta para a França bater. E Mbappé, naquele momento, não queria saber nem de Rabiot nem de Benzema. Queria chutar pro gol. E chutou. Mas, no meio do caminho havia uma barreira de jogadores suíços. A bola voltou. Voltou no próprio Mbappé. Na fome por marcar seu primeiro gol nessa Eurocopa, Mbappé chutou do jeito que a bola veio. E chutou forte, como se tivesse pressa de ver a redonda no fundo da rede. Mas a pressa, inimiga de longa data da perfeição, direcionou a bola para longe, à esquerda.

Dois minutos depois, talvez Rabiot tenha pensado: "se meu companheiro pode tentar, eu também posso". Ou seja, Rabiot resolveu chutar pro gol. E, a exemplo de Mbappé, resolveu chutar forte pro gol. E a bola... a exemplo do lance anterior, resolveu ir novamente para fora e à esquerda. 

A Suíça, então, pediu licença para colocar seu nome nesse capítulo de chances criadas no primeiro tempo. Licença concedida. Em lance de bola parada, Xherdan Shaqiri preferiu priorizar o coletivo. Levantou na área. Mas, o coletivo não ajudou Shaqiri, com a bola passando a alguns centímetros de Manuel Akanji e também de Breel-Donald Embolo. 

Vida que segue, vamos ao segundo tempo. Ou melhor, aos próximos capítulos.

Capítulo 3: quando o prêmio se torna castigo

No intervalo, Didier Deschamps mexeu de forma estrutural na seleção francesa. Ele resolveu trocar o defensor Lenglet - aquele mesmo ao qual agradeci pelo cabeceio de Seferović - e colocar em seu lugar o habilidoso e insinuante Kingsley Coman. Entendem por que devemos agradecer ao Lenglet? Vocês acham que, se o defensor tivesse conseguido impedir o perfeito cabeceio de Seferović naquele momento do gol, o Deschamps faria uma subsituição ousada como essa? Jamais! Ou, como diriam os franceses: jamé, mané! Portanto, merci, Lenglet. A vitória suíça começava a dar bons frutos.

Nesse momento, pode surgir a pergunta: por que causa, motivo, razão ou circunstância, o indivíduo nomeou esse capítulo "quando o prêmio se torna castigo"? Calma, que você vai ver. Fica comigo.

Um chute de Antoine Griezmann de fora da área, à esquerda, poderia passar a impressão de que a França teria um início de segundo tempo demolidor. Ledo engano. A Suíça, mesmo vencendo, queria mais. E esse querer mais proporcionou jogadas interessantes. Por exemplo: aos quatro minutos, Silvan Widmer passou para Embolo, que cruzou rasteiro mas a bola não chegou em nenhum companheiro. Era a Suíça marcando presença na área francesa. Aos seis, lá estava a Suíça novamente marcando presença na área francesa. E, dessa vez, bateu o desespero em Benjamin Pavard quando Zuber arrancava em velocidade. O árbitro não marcou, mas o VAR o intimou à revisão. E, voilá!, pênalti para a Suíça!

Nesse momento, vocês entenderão o prêmio que virou castigo. Os suíços tinham chance preciosa para abrir dois a zero na cobrança de Ricardo Rodríguez. Só que, entre a bola na marca do pênalti e a rede, havia um Lloris. E, saltando para o lado direito, Lloris defendeu a cobrança. Era simplesmente o sétimo pênalti perdido em treze cobrados nessa Eurocopa. Ou seja, a vida difícil do goleiro era a dificílima do batedor. 

E o prêmio virou castigo...

A França cresceu no jogo de forma avassaladora. Como se o quase segundo gol suíço, salvo por Lloris, despertasse um instinto de auto preservação. De defender a própria pele de uma eliminação. E, qual a melhor forma de se defender? Acertou: atacar.

Aos dez minutos, Coman rolou para Pogba, que entregou para Mbappé. Mbappé pegou de primeira, cruzado, mandando perto da trave esquerda.

No minuto seguinte, numa jogada rápida envolvendo N`Golo Kanté (que recuperou a bola no campo de ataque), Griezmann e Mbappé, dessa vez o camisa dez abriu mão de chutar e fez algo mais inteligente: tocou para Benzema. Em seu habitat natural, Benzema foi hábil para puxar a bola e finalizar de forma inapelável. Estava empatada a partida em solo romeno. E o castigo para a Suíça não pararia por aí...

Capítulo 4: a França em sua melhor versão

Embalada no seu próprio êxito, a seleção francesa tratou de transformar o empate em virada dois minutos depois: numa belíssima combinação de troca de passes, Paul Pogba deu para Coman, que entregou para Griezmann, que tabelou com Mbappé e cruzou para Benzema, que só teve o trabalho de conferir de cabeça. Bendito seja o esporte que proporciona jogadas como essa! Que golaço!

A Suíça tentou reagir à repentina virada e, aos vinte minutos, teve boa chance em lance de bola parada: Shaqiri levantou, Widmer e Seferović surgiram no espaço vazio fechando na segunda trave, mas nenhum dos dois conseguiu completar para o gol. Ah, a bola parada... Lembranças do pênalti perdido, né, Suíça?

Com bola rolando, a França era soberana. Aos vinte e dois minutos, Pogba buscou Mbappé, mas o goleiro Yann Sommer chegou antes. No minuto seguinte, Sommer tomou um susto quando Widmer fez um recuo estranhíssimo - será que ele quis mesmo recuar? - e a bola saiu em escanteio, à esquerda. 

Aos vinte e oito minutos, Coman arriscou de fora da área e Sommer, sem correr riscos, pegou.

No minuto seguinte, um chute esplendoroso de Pogba aumentou a vantagem francesa. Que batida na bola! Que precisão! A bola viajou para adormecer no ângulo esquerdo. Sabe quando tudo no lance é bonito? A forma como chutou. A trajetória. O local onde entrou. Até o salto de Sommer se esticando todo para tentar defender o indefensável embelezou o que já era belo. A cereja no bolo de uma atuação magistral de Pogba. Três a um no placar.

Mas vamos com calma porque essa história ainda está longe de terminar...

Capítulo 5: Suíça, como você consegue ser tão linda?

Pouco antes de ter sofrido o terceiro gol, o técnico bósnio Vladimir Petković tinha realizado suas duas primeiras substituições no jogo, colocando Mario Gavranović e Melingo Kevin Mbabu nos lugares de Shaqiri e Widmer. É bem verdade que a França teve nova chance aos trinta e um, quando Coman recebeu de Benzema pela esquerda, chutou de fora e Sommer segurou. Mas, tirando isso, a Suíça passou a exercer uma preponderância nas ações ofensivas. 

Tal preponderância se transformaria em domínio flagrante após as duas substituições seguintes: saíram Zuber e Embolo para as entradas de Christian Fassnacht e Ruben Vargas.

Apenas um minuto depois dessas trocas, a Suíça chegaria ao segundo gol: Mbabu cruzou e, ele, ele mesmo, o próprio, o camisa nove, Seferović, marcou novamente de cabeça. Dessa vez, sem nenhum Lenglet para que eu possa agradecer, o centroavante levou a melhor sobre Raphaël Varane. Não adianta, pode colocar quem for para acompanhar, Seferović é soberano naquele pedaço de campo.

A Suíça queria mais. A Suíça precisava de mais. E, nessa busca, nesse ímpeto, a Suíça foi demais!

Aos trinta e nove minutos, Granit Xhaka rolou na esquerda, Rodríguez chutou rasteiro, Gavranović interceptou já fazendo o domínio e chutando na esquerda. Seria o empate, não fosse o impedimento.

Na marca de quarenta e quatro minutos, nada nem ninguém impediria a igualdade no placar: na base da raça, Admir Mehmedi (que entrara minutos antes no lugar de Rodríguez) desarmou Pogba no meio de campo e Xhaka, com ótimo passe, serviu Gavranović, que chutou rasteiro, firme, no cantinho. Um momento enlouquecedor!

Pouco antes de ceder o empate, Deschamps tinha trocado Griezmann por Moussa Sissoko. E o próprio Sissoko tratou de fazer jogadaça pela direita: cheio de ginga diante do marcador, ele trouxe pro fundo, fez o levantamento e serviu Coman, que dominou no peito e chutou cruzado, com estilo e com curva, mandando no travessão. Seria um gol belíssimo aos quarenta e sete minutos do segundo tempo. Mas os deuses do futebol tinham outros planos. Eles queriam é mais jogo. Então, vamos à prorrogação...

Capítulo 6: França insiste, Suíça resiste

Se o título desse capítulo trocasse o nome da França pelo nome do Coman, o resultado seria praticamente o mesmo. Fato é que Coman protagonizou a maioria dos principais lances de perigo em toda a prorrogação.

Com quatro minutos, foi ele, Coman, quem cruzou da esquerda. Pavard chutou e Sommer foi espetacular ao levar ao mão direita até a bola e desviá-la do rumo do gol.

A Suíça, em resposta aos seis minutos, teve boa chegada com Mbabu pela direita, mas o cruzamento rasteiro foi cortado por Varane na pequena área.

Aos sete minutos, foi novamente ele, Coman que avançou pelo lado esquerdo e chutou na rede pelo lado de fora.

Veio o segundo tempo da prorrogação. E ganha um pão francês quem adivinhar o jogador que construiu a jogada finalizada por Mbappé à esquerda do gol. Pois é: Coman, sempre pelo lado esquerdo.

No minuto seguinte, mais Coman: dessa vez ele passou para Pogba, que enfiou para Mbappé, que chutou na face externa da rede.

Era a última participação de Coman, que, provavelmente com alguma questão física, dava lugar a Marcus Thuram. Seja com Coman, seja com Thuram, a França escolheu o flanco esquerdo: aos oito Pogba lançou Thuram por aquele lado do campo e o camisa vinte e seis rolou para o meio da área. Olivier Giroud - que entrara no lugar de Benzema no primeiro tempo na prorrogação - teve seu chute desviado no próprio companheiro Mbappé, saindo pela linha de fundo.

Ainda houve tempo para, aos treze, Giroud levar a melhor no jogo aéreo diante de Fabian Schär (que substituíra Seferović). Acontece que Sommer estava ali e fez linda defesa no canto direito para evitar o quarto gol francês num momento delicadíssimo da partida.

Vamos, finalmente, ao último capítulo de um desfecho emocionante

Capítulo 7: muito prazer, Mbappé, me chamo Sommer

Se nos pênaltis cobrados nessa Eurocopa o índice de aproveitamento dos batedores estava abaixo de 50%, na disputa de penalidades máximas entre França e Suíça o que se viu foi um excelente nível na realização das cobranças.

Primeiro, Gavranović cobrou forte e no alto. Um a zero Suíça.
Depois, Pogba empatou também cobrando com força e ainda mais no alto, beirando o ângulo direito. Um a um.
Schär foi o primeiro a escolher o canto esquerdo do goleiro. Dois a um Suíça.
Giroud seguiu o mesmo caminho. Dois a dois.
Na cobrança de Akanji, Lloris resolveu esperar. E o chute rasteiro no canto direito ficou fora de alcance. Três a dois Suíça.
Thuram cobrou firme no canto direito e Sommer acertou o canto, mas não alcançou a bola. Três a três.
Lloris optou novamente por aguardar. Vargas bateu no canto direito. Lloris chegou a tocar na bola, mas sem evitar que entrasse. Quatro a três Suíça.
Acertar o canto da cobrança virou rotina para Sommer, que voou para o lado esquerdo. Só que Kimpembe chutou muito bem e converteu. Quatro a quatro.
Na cobrança de Mehmedi, Lloris escolheu o lado direito e a bola estufou a rede no lado esquerdo. Cinco a quatro Suíça.
Era a vez de Mbappé. Maior craque dessa geração francesa. Uma das maiores promessas (leia-se realidade) no futebol mundial. Chute firme, buscando o canto direito. Mas, dessa vez, o voo de Sommer alcançaria a bola. Para aumentar a dramaticidade, a arbitragem orientou que esperasse a verificação do lance por possível "andada" do goleiro. Ora! Sommer não anda! Sommer voa! E, para a Suíça, o céu é o limite.

Yann Sommer voa e defende a cobrança de Kylian Mbappé: Suíça triunfa nos pênaltis em partida antológica com a França. Foto: Franck Fife / Reuters.


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