A decepcionante temporada 2013-4 vivida pelo Manchester United causou desconfortos na diretoria. Tanto é que, após o clube dar grande longevidade ao então aposentado (Sir) Alex Ferguson, seu compatriota David Moyes foi sumariamente demitido em pleno primeiro ano de Old Trafford.
Ryan Giggs assumiu interinamente e, depois, veio o anúncio da contratação do renomado técnico holandês Louis van Gaal, atual terceiro colocado com a seleção de seu país no Mundial-2014. Só que as fragilidades da equipe vermelha (que hoje jogou de azul), continuam escancaradas. Então, surge uma pergunta essencial: tem culpa o David Moyes pelo mau início de temporada atual? (
Favor ler essa pergunta uma vez com seriedade e outra em tom irônico)
Podemos desdobrar a resposta por caminhos diferentes. O primeiro é o evasivo "está apenas começando o trabalho de Van Gaal", que sugere cautela para afirmar qualquer coisa a essa altura (de duas rodadas) do campeonato. Gosto desse tipo de abordagem, pois trabalho de treinador de futebol necessita de uma análise de longo prazo, o que é ainda impossível de se fazer no caso do United. Já o segundo caminho é refletir sobre o elenco do clube e sobre os trabalhos dos escoceses que antecederam o holandês que hoje senta na poltrona de reservas. Vejamos bem, por mais que houvesse toda uma idolatria em torno de Ferguson - o que se justifica muito mais pelos resultados do que pelas atuações -, é necessário desconstruir alguns mitos em torno do lendário técnico, cuja história se confunde com a do próprio clube. Assisti diversas partidas monótonas e vazias de inspiração do Manchester de Ferguson que terminaram com goleadas da equipe e a euforia dos adeptos. Cultura do resultado corroborando um pragmatismo que não costuma deixar grandes legados, embora muitas das vezes preencha salas de troféus com objetos dos mais cobiçados. Ferguson foi, sem dúvida, um vencedor. Ponto. Veio Moyes e os resultados não apareceram. Sequer deram tempo para que pudessem aparecer. É como se o próprio indivíduo contratado - e que foi indicado pelo próprio Alex Ferguson - já não mais inspirasse confiança, apesar da elogiada longa passagem pelo Everton.
Van Gaal chegou. Hoje, o Manchester United teve em campo um time com os ótimos Juan Mata (autor do gol), Wayne Rooney (que buscou jogo) e Robin van Persie (pouco produtivo no meio da bem compactada defesa do Sunderland). Três ótimos jogadores, faço questão de repetir o adjetivo. Mas o resto da equipe é de nomes de times médios. A zaga tem uma dificuldade bizarra de sair jogando com a bola no chão. O meio carece de criatividade. Pelos flancos, Valencia e Young transpiram litros mas raramente encontram com quem dialogar. O equatoriano até conseguiu descolar um cruzamento que terminou no gol do espanhol, mas se a partida tivesse mais duas horas de duração, era mais fácil o dedicado jogador morrer do coração do que conseguir qualquer outra coisa.
É evidente que a especulação em torno do nome do argentino Ángel di María, caso se concretize, dará um salto de qualidade para a equipe. Mas quero frisar que é tão prematuro afirmar hoje que a culpa seria de Van Gaal quanto o foi criticar o trabalho de Moyes até o momento de sua demissão. Mais que prematuro, é um conceito injusto.
Depois de ver anos e anos do United sob o comando de Ferguson, cheguei a algumas conclusões. Elas giram em torno do fato de que Ferguson conseguiu dar um padrão de jogo à equipe, entrosando todos os setores e expondo sua filosofia de jogo materializada no desempenho de seus atletas. Sem jamais encantar. Ou melhor, sem jamais
me encantar. Com uma mentalidade vencedora e uma liderança pela disciplina, Ferguson fez o suficiente para entrar na história. Seus números impressionam e diante deles não há como argumentar em contrário. Minha crítica é muito mais pelos procedimentos do que pelos resultados, pelas formações táticas do que pelo fruto matemático de suas escolhas. De Van Gaal espero algo diferente. Os times que vi de Van Gaal me deram mais prazer de assistir do que o Manchester United. Não sei se isso dará aos adeptos o mesmo volume de títulos que eles ficaram acostumados noutros tempos. E torço para que isso seja o menos importante nessa história: é preciso dar tempo ao tempo e entender que o futebol está muito além dos números.
Acredito que a primeira coisa que o Manchester United esteja precisando nesse momento é se libertar de sua própria história. Do contrário, a melhor alternativa para perpetuar aquele jeito de jogar - e ganhar - seja convidando Ferguson a desistir da aposentadoria. Mas uma convicção eu tenho: ele, inteligente que é, não toparia.
Sobre o Sunderland
Gostei da consistência tática da equipe comandada pelo uruguaio Gustavo Poyet. Sem nenhum grande nome no elenco, conseguiu jogar de igual para igual diante de um adversário que veste uma camisa pesada e que, pelo menos em teoria, tinha a obrigação da vitória. Mas a partida que terminou empatada no Stadium Of Light ficou perto de ter um vencedor menos provável. O lance em que Wickham chapelou um adversário teria sido antológico caso terminasse em gol, mas acabou saindo em escanteio por detalhe. Rodwell, investimento de dez milhões de libras (muita grana em se tratando de Sunderland), marcou o único gol dos donos da casa. O goleiro italiano Vito Mannone, que poucas chances teve nos tempos de Arsenal, mostrou segurança. Até como líbero saiu-se bem, merecendo uma réchi tégui #MannoNeuer. No final, a entrada do estadunidense Altidore no lugar do escocês Fletcher ainda causou mais tormentos ao miolo de zaga visitante. Wes Brown e John O'Shea, que já vestiram a camisa do Manchester United, contribuíram num sistema defensivo sólido e que raramente se deixou envolver. Talvez, se Giaccherini estivesse à disposição do treinador Poyet, a essa altura o telefone de Ferguson pudesse estar tocando. (
Favor ler essa última frase obrigatoriamente em tom irônico. Sério)