Com o perdão da generalização, há uma grande diferença entre a cultura européia e a brasileira naquilo que tange a relação entre a diretoria e o treinador do clube. Exemplos como o do escocês Alex Ferguson (desde 1986 dirigindo o Manchester United), o do francês Arsène Wenger (que tão logo assumiu o Arsenal em 1996 implementou uma filosofia de jogo revolucionária para os padrões do clube londrino) e o do italiano Carlo Ancelotti (que antes de assumir o Chelsea em 2009 vinha há oito anos treinando o Milan) - para somente citar três - soam utópicos em terras tupiniquins.
Nas bandas de cá, são raros os exemplos de treinadores que começam e terminam uma temporada no mesmo clube. Em meio a uma frenética e muitas das vezes injustificável "dança das cadeiras" que ocorre à exaustão em território brasileiro, a relação entre Botafogo de Futebol e Regatas e Joel Natalino Santana acaba podendo ser considerada um exemplo longevo: tendo assinado com o Alvinegro de General Severiano em janeiro de 2010, o carismático "Papai Joel" somou 76 partidas oficiais no comando da equipe, com 41 vitórias, 23 empates e 12 derrotas, com 142 gols pró e 58 contra.
E é quando lançamos olhares para o respeitável retrospecto supracitado que vamos observar como o caso de Joel Santana é emblemático: atual campeão estadual no Rio de Janeiro (faturou tanto a Taça Guanabara quanto a Taça Rio em 2010), o Botafogo de Joel lidera o grupo 2 no segundo turno da competição onde busca o bicampeonato. Nem por isso, foi poupado de críticas de considerável parcela de torcedores presentes na derrota para o Vasco da Gama, domingo, no estádio Olímpico João Havelange. Seu antecessor também caíra após derrota para o Vasco, mas convenhamos haver grande diferença entre levar de 6a0 e perder pelo placar de 2a0.
Então pergunta-se: por que a fúria da torcida com um treinador de campanha predominantemente vitoriosa? E é aí que acho o caso "Botafogo de Joel" particularmente interessante: a revolta botafoguense não estava focada nos resultados, mas sim no esquema de jogo montado pelo comandante. Utilizando-se de 5 jogadores escalados com funções basicamente defensivas (ora com 2 zagueiros e 3 volantes, ora com 3 zagueiros e 2 volantes, quando não com 3 de cada), Joel Santana recebeu críticas inclusive dentro do elenco, com o atacante uruguaio Sebastián "El Loco" Abreu afirmando publicamente que "qualquer equipe trata melhor a bola que o Botafogo". E disse isso após uma vitória, na primeira partida do time na temporada 2011.
Foi com um futebol pouco vistoso mas de grande eficiência e consistência tática que o Botafogo de Joel conquistou o Estadual 2010. Mas parece que os torcedores botafoguenses já não aguentam essa receita, querendo algo mais que o título: querendo ver bom futebol. Bom futebol - faça-se justiça - que foi visto, sim, sob o comando de Joel Santana. O maior exemplo talvez seja a grande atuação da equipe diante do Atlético Mineiro, quando venceu por 3a0 apresentando um futebol ofensivo, envolvente, insinuante e altamente competitivo. Muitos podem pensar que o desfalque de Maicosuel possa ter sido determinante para uma formação tática mais cautelosa. Penso diferente: observando o plantel alvinegro, embora seja flagrante a falta de meias-de-ligação (talvez até em função do treinador não fazer questão desse tipo de jogador), é tranqüilamente possível montar um Botafogo com futebol mais atrativo. E, se formos levar em consideração a fragilidade técnica de grande parte dos adversários no torneio estadual, chega a ser esdrúxulo nos depararmos com formações tão focadas na defesa e enfraquecidas no setor de criação.
Não sei o que passa nesse momento pela cabeça de Maurício Assumpção, atual presidente do Botafogo. Tenho convicção que Assumpção tem gratidão pela passagem de Joel Santana pelo clube - e os torcedores também devem cultivar esse sentimento em seus corações -, mas creio que a melhor escolha para o comando técnico alvinegro seja com um treinador mais identificado com formações ofensivas. Tal como faz Cuca ao longo de sua inspiradora carreira. Carreira que teve, como um dos pontos altos, a temporada de 2007 no comando do próprio Botafogo. É bem verdade que há poucos "Cucas" no mercado, mas, tal como a lógica de mercado, a oferta de "treinadores ofensivos" será maior na medida que aumentar a demanda. Fica a impressão que uma dessas demandas é a da torcida botafoguense.
Boa sorte ao Maurício Assumpção na futura escolha. Boa sorte ao Joel Santana na seqüência da carreira. Boa sorte aos torcedores botafoguenses na continuidade da temporada. E boa sorte ao futebol. Creio que, quando a maneira de jogar é colocada como prioridade, o resultado aparece naturalmente. O Barcelona de Josep Guardiola está aí para não me deixar mentir.
Fala, cara!
ResponderExcluirOlha, falar do "torcedor" brasileiro é algo que, juro, me tira do sério, dá vontade de sumir do Brasil. É REVOLTANTE como o "torcedor", sempre entre aspas, não tem noção da realidade, e tudo isso porque querem usar do futebol um jeito de se auto-afirmar.
O botafoguense que está feliz com a saída do Joel devia ir pro inferno. O craque do time é o Abreu, um bom jogador e ponto, só isso. O que esses caras querem? Que o time jogue como o Santos de 2010?
E, em última instância, por pior que seja um time, torcedor tem que apoiar, fazer um cara ruim jogar bem, e não fazer um ruim jogar ainda pior. O exemplo mais absurdo que tenho disso é a "torcida" do Cruzeiro, na final contra o Estudiantes, vaiando o time com QUINZE minutos, por não ter feito um gol ainda. Em uma FINAL de LIBERTADORES o "torcedor" faz isso.
Essas e outras mil coisas me tiraram totalmente a vontade de acompanhar futebol brasileiro.
Abraços!
Concordo que o papel do torcedor é o de apoiar o time. Nesse ponto, o brasileiro de modo geral está muito atrás dos argentinos, por exemplo. Enquanto aqui reina um "oba-oba" (aplausos pro que me agrada, vaia pro que me desagrada), lá vemos a torcida ao lado do time incondicionalmente.
ResponderExcluirA saída do Joel Santana com o ótimo retrospecto que ele tinha poderia sugerir a escolha de um treinador de perspectivas ofensivas (até porque a pressão exercida não se dava meramente em função de resultados). Mas, independente da forma como Joel lida taticamente com o futebol, ele não é merecedor de hostilidades. Pelo contrário, desempenhou um trabalho sério e bem-sucedido no Botafogo.
Abraços.