Burkina Faso tratou de colocar um ponto final na sequência de empates por 1a1 que vinham tomando conta do grupo C na Copa Africana de Nações. Pior para a Etiópia, que levou uma goleada de 4a0 em jogo que estava totalmente em aberto até lá pros trinta minutos do segundo tempo.
Aliás, esse foi provavelmente o melhor jogo que este blogueiro assistiu até agora no torneio que acontece na África do Sul, dois anos e meio após o Mundial que também aconteceu por lá. Muito mais focadas em atacar do que em defender, as duas seleções proporcionaram uma dinâmica acelerada na partida disputada no estádio Mbombela.
Chances de gol não foram poucas, elaboradas muitas das vezes a partir de tabelas ligeiras. A primeira delas foi absolutamente sensacional: aos três minutos, os etíopes se lançaram ao ataque e, em rápida troca de passes envolvendo quatro jogadores, Salahdin Said Ahmed recebeu, deu maravilhoso passe de calcanhar desmontando a defesa burquinense e encontrando Shimeles Bekele Godo que, livre, colocou cruzado a bola caprichosamente na trave esquerda, por muito pouco não abrindo o placar.
A Etiópia tinha qualidades fáceis de serem percebidas. Talvez a maior delas fosse a capacidade de fazer o jogo fluir da defesa para o ataque. Aos dez minutos, o setor de meio-campo etíope teve uma baixa: contundido, Adani Girma deixou o gramado com os olhos lacrimejando. Behalu Assefa foi o escolhido para entrar na equipe em substituição ao camisa dezenove. Aos poucos, a flagrante superioridade da equipe comandada por Sewnet Bishaw foi dando lugar a um jogo equilibrado, onde Burkina Faso conseguia chegar cada vez mais ao ataque.
Aos vinte minutos, Wilfried Sanou aproveitou rebote e mandou para a rede, mas o auxiliar acertou ao alegar impedimento no lance, anulando o gol corretamente. Só que aos trinta e três, não teve jeito: após forte pressão que começou com ótima jogada pelo lado esquerdo, Burkina abriu o placar em Nelspruit. Aristide Bancé tentou primeiro, mas seu remate foi bloqueado na defesa etíope. Na sequência do lance, Charles Kaboré fez ótimo passe e Alain Traoré finalizou melhor ainda, chutando no canto direito. 1a0 Burkina Faso. Lembrando que Traoré foi o autor do gol de empate nos acréscimos da partida de estréia, tenho começado aquele jogo com a Nigéria na condição de suplente.
A partida manteve o resultado até o intervalo e, aos cinco minutos do segundo tempo, o goleiro Abdoulaye Soulama Traoré quase levou um gol bobo, sendo desarmado parcialmente por Shimeles Bekele e depois se recuperando no lance. Oito minutos depois daquele indício de lambança que quase custou o empate, Abdoulaye Soulama cometeu outro vacilo, saltando para recolher a bola com as mãos fora da área. Apenas alguns centímetros fora da área, mas o suficiente para caracterizar a infração, punida pelo árbitro Bernard Camille, de Seicheles, com o cartão vermelho. O jogo ficou pelo menos seis minutos parado até que se expulsasse Soulama, se realizassem duas substituições em Burkina Faso (Sanou saiu para a entrada do goleiro Daouda Diakité e Bancé deu lugar para Florent Rouamba) e se cobrasse, finalmente, a falta frontal - Assefa parou na primeira defesa de Diakité.
Se os três jogos anteriores haviam terminado em 1a1 e agora a equipe em vantagem por 1a0 jogava com um homem a menos, não eram poucos os motivos para crer que estava se desenhando mais uma vez o tão repetido placar, hegemônico na chave C. A Etiópia concentrava suas atenções ao campo de ataque e Burkina parecia condenada a passar o resto do jogo tentando aguentar a pressão que estava por vir. Só que não. Pelo menos não quando se tem alguém como Traoré: aos vinte e oito minutos, ele tabelou com Jonathan Pitroipa e descolou chute espetacular, pegando na veia para estufar a rede no canto direito. Golaço e 2a0 Burkina, no terceiro gol do atual goleador isolado na competição. Relembrando: era reserva até entrar e marcar o gol de empate nos acréscimos do jogo de estréia.
Se o 2a0 dava maior tranquilidade para a equipe comandada pelo belga Paul Put, o que dizer então quando, cinco minutos depois, o time alcançou o terceiro gol? A defesa etíope vacilou, Djakaridja Koné (nascido na Costa do Marfim) recuperou a posse de bola, tabelou com Patroipa e chutou rasteiro. 3a0 Burkina Faso e desespero da torcida etíope, que marcava presença em peso nas arquibancadas e a essa altura muitos já estavam às lágrimas, decepcionados com o anunciado revés numa partida onde o cenário se desenhava favorável para pelo menos buscar o empate.
A Etiópia não se entregou, mas também não conseguia criar chances mais agudas. Uma das poucas chegadas mais efetivas deu-se aos trinta e sete, quando Sahladin Said chutou forte e Diakité, com dificuldades, defendeu em dois tempos. Dois minutos depois, um homem entrou no gramado e se jogou na rede onde os etíopes buscavam colocar a bola. Parecia uma pessoa feliz, talvez mostrando o caminho do gol aos seus conterrâneos, talvez apenas celebrando a existência num momento de êxtase em meio a um esporte tão apaixonante. Foi pego pela força de segurança e levado para fora. Festejar já foi algo mais liberado do que é nos dias de hoje.
Aos quarenta e quatro minutos, a partida que era jogada de maneira limpa teve uma agressão lamentável de Siyoum Tesfaye Moges, que jogou a sola da chuteira num adversário que já estava caído e com o jogo parado. Siyoum Tesfaye já tinha amarelo, mas nem era necessário um para justificar expulsão, pois a ocorrência era para cartão vermelho direto. Só que Bernard Camille preferiu "resolver" a situação com uma rápida advertência verbal em Tesfaye, sinalizando que viu o que aconteceu. É evidente que, se viu mesmo, não aplicou a regra com o mesmo rigor de quando expulsou o goleiro, que sequer havia agredido ninguém. De toda forma, o rompante de Tesfaye foi um fato isolado e não houve nada que agravasse a situação: nem lesão nem confusão sucederam a entrada violenta.
Com a indicação de sete minutos de acréscimo (lembrando que foram seis minutos de paralisação só no lance da expulsão de Soulama), já não havia muito o que fazer. Mas faltava o gol de alguém. Mais precisamente de um jogador que havia dado as assistências para os dois últimos gols da equipe de Burkina Faso. E, em nova falha defensiva etíope, Wilfred Benjamin Balima, que acabara de entrar no lugar de Kaboré, recuperou a bola próximo ao meio-campo, avançou e serviu Patroipa, que fechou a conta, aos quarenta e nove. 4a0 Burkina Faso, única seleção a até agora marcar mais de dois gols num mesmo jogo nessa edição de Copa da África.
Said quase marcou o gol de honra aos cinquenta e um, com a bola passando perto da trave direita. O semblante de tristeza de elenco e torcedores etíopes contrastava com a alegria dos burquineses. Reações que denunciam a condição de lanterna e líder. Mas, dado o equilíbrio no grupo, tudo pode acontecer. Burkina Faso está a um empate da classificação (vitória sobre Zâmbia garante liderança no grupo). Já a Etiópia precisa vencer a Nigéria e torcer para que Zâmbia não vença Burkina. Ou seja, na terceira rodada, a alegria de Burkina poderá ser também a alegria etíope na África do Sul. Está nas mãos dos deuses do futebol.
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