A Copa que começou com muitos erros de arbitragens, terminou com bombas e gás de pimenta. O que uma coisa tem a ver com a outra? Esportivamente, nada. Ideologicamente, tudo. A luta por justiça foi reprimida pelas ações truculentas policiais, indiferentes às dores e aos sofrimentos da população. O que se reivindicava nas ruas não eram melhores árbitros no jogo, mas melhores ações na política. Não fomos atendidos. Pior: a situação social brasileira consegue ser mais grave que a do apito da FIFA. A quem recorrer se insensíveis estão no poder? Para onde correr quando é a polícia que vem lhe bater?
Vamos fugir e falar de futebol.
[1] Parabéns à Alemanha. Pela atuação dentro de campo, confirmando o que já havia sido mostrado na Copa do Mundo 2010, na África do Sul. Pela postura fora de campo, me apresentando uma face que jamais imaginaria de jogadores profissionais ditos de uma "cultura fria": o calor humano e a interação com a população brasileira foram memoráveis. Doaram terreno do centro de treinamento para uma escola. Doaram euros para uma comunidade indigenista. Se doaram a qualquer um que os abordasse. Campeã em todos os sentidos.
[2] Holanda ao extremo. Depois do vice-campeonato em 2010 e da queda na fase de grupos na Euro passada, os holandeses vieram ao Brasil sob desconfiança. Como são inocentes esses profissionais da imprensa! Apegados a resultados, se negam a enxergar o talento e a capacidade de uma seleção comandada por um técnico experiente e com jogadores como Robben, Sneijder e Van Persie. Dos três, Robben se destacou. Aliás, dos
23 x 32 = 736, Robben se destacou. E a Laranja funcionou de tal maneira que ninguém conseguiu derrotá-la. A Espanha levou
5a1 e o Brasil tomou
3a0. Guus Hiddink herdará de Louis van Gaal um grupo rejuvenescido e com grande maturidade tática. Honroso terceiro lugar e invencibilidade que não permite negar o belo Mundial que fizeram em 2014.
[3] Argentina! Uma exclamação para a seleção que mais proporcionou o clima de Copa do Mundo no Brasil. Com uma torcida que festeja nas arquibancadas e nas ruas, os argentinos têm muito a comemorar pelas quatro semanas que viveram no Mundial no país vizinho (
e eu por tê-los visto de perto). O vice-campeonato veio graças a uma equipe bem montada e altamente disciplinada taticamente, que mostrou sinergia entre os jogadores e o técnico Alejandro Sabella. Lionel Messi decidiu em todos os três jogos na fase de grupos. E, nos confrontos eliminatórios, apareceu bem. Foi um dos melhores em campo na final no Maracanã. Faltou o título, mas não o reconhecimento: tome Bola de Ouro, gênio! Mascherano e Zabaleta também precisam ser lembrados nessa campanha maiúscula. Eles dois, conjuntamente aos seus companheiros, derrubaram a falácia de que a defesa da equipe não inspira confiança. Eu confio mais, muito mais na defesa argentina do que na mídia brasileira.
[4] Colômbia de Pekerman e Rodríguez. A tática casou com o talento. E os colombianos tiveram, no Brasil, seu melhor desempenho em Mundiais na história do país. James Rodríguez foi um dos melhores na Copa. José Pekerman conseguiu dar leveza e velocidade a um time que apresentou a maior vocação ofensiva de todos os 32. Apanhou muito dos brasileiros, e ironicamente apontam Zúñiga como "violento". Minha defesa ao jogador, que foi infeliz mas jamais desleal em seu lance com Neymar. Acidente à parte, a Colômbia mostrou-se forte mesmo sem Falcao García. E por muito pouco não eliminou o Brasil, em jogo decidido na bola parada e que poderia ter outros contornos se o cartão vermelho fosse mostrado ao goleiro que impediu lance de gol faltosamente. Foi um prazer assistí-los tanto no
Mané Garrincha quanto no
Maracanã.
[5] Bélgica. Tá aí uma seleção que correspondeu às expectativas. Se não conseguiu jogar o seu melhor futebol em todos os cinco jogos, pelo menos mostrou o potencial uma ou duas vezes e teve uma atuação memorável nas oitavas, diante dos Estados Unidos. Naquela partida, o goleiro Tim Howard evitou o que poderia ter sido uma goleada do nível Alemanha-Brasil. Parabéns para Marc Wilmots por privilegiar o talento em suas escalações e confiar nas suas convicções.
[6] Transformação suíça. Se houve uma seleção que evoluiu taticamente de 2010 para cá, essa foi a Suíça. Ottmar Hitzfeld se aposenta com a cabeça erguida, conseguindo montar uma equipe que não tem medo de ser feliz. Inler (
que parece ainda melhor jogador quando visto da arquibancada) é o motor de toda a engrenagem. E o time funciona porque as peças procuram o ataque. Shaqiri, com excepcionais apresentações diante de Honduras (três gols) e Argentina (muito futebol), quase ajudou a levar a equipe além das oitavas. Aquela bola de Dzemaili na trave no finalzinho na prorrogação será lembrada por alguns meses. E aquela retranca de 2010, se Deus quiser, esquecida de vez.
[7] Respeito à Espanha. A Espanha caiu após encontrar dois grandes adversários logo nas duas primeiras rodadas. Fez um ótimo primeiro tempo na estréia, mas foi engolida após o intervalo. No terceiro jogo, já eliminada, jogou belíssimo futebol. E a Espanha é isso: um belíssimo futebol. E a mídia, movida pelo resultado, não esqueceu as recentes conquistas espanholas - ninguém ousou chamá-la de "amarelona" ou mandar aquela de "fragilidade emocional". O respeito veio na marra e a Espanha conseguiu ser eliminada "em paz".
[8] Sensacional Costa Rica. Única seleção na história das Copas a enfrentar três campeãs mundiais na fase de grupos. Resultado: duas vitórias, um empate e liderança incontestável. Na seqüência, empates com Grécia e Holanda. Avançou e caiu nos pênaltis. Com o goleiraço Keylor Navas, os ótimos meias Bryan Ruiz e Cristian Bolaños e o interessante centroavante Joel Campbell, os costarricenses fizeram bonito no Brasil. Meus aplausos ao treinador colombiano Jorge Pinto. Para quem não viu, recomendo que assistam vídeos gravados na Costa Rica sobre a classificação da seleção diante dos gregos para ter uma noção da dimensão do feito conquistado em 2014. Campanha histórica.
[9] África, Ásia, Oceania. Desses continentes, somente avançaram às oitavas Nigéria e Argélia, ambas africanas. E se por um lado os nigerianos mostraram algumas qualidades (principalmente o goleiro Enyeama), quero nesse tópico exaltar os argelinos. Que Copa! Pra servir de inspiração ao resto do continente e do mundo! Jogaram de igual para igual com a Bélgica, com a Rússia e, acredite, com a Alemanha! Superaram a Coréia do Sul com relativa autoridade. E, não bastasse tudo o que conseguiram dentro de campo, ainda deram uma lição fora dele: doaram o dinheiro recebido como premiação para pessoas na Faixa de Gaza. Superação no gramado e exemplo de cidadania. Os comandados do bósnio Vahid Halihodzic honraram algo maior que a camisa: a condição de seres humanos. A calorosa recepção no retorno à capital Argel mostra que, felizmente, muitos argelinos pensam parecido.
[10] Recurso eletrônico. A implementação da tecnologia de linha do gol foi utilizada e, no meu entendimento sobretudo quanto ao jogo entre França e Honduras, requer melhorias. Não fui convencido de que aquela bola chutada por Benzema, rebatida pela trave esquerda e desviada por Valladares tenha ultrapassado completamente a linha final. Talvez o
chip tenha atravessado a faixa completamente, mas a bola... De toda maneira, cabe observarmos que há muito mais dúvidas com relação à linha de impedimento do que qualquer outra linha real ou imaginária. Nesse sentido, ainda estamos reféns de árbitros e auxiliares. Que, nessa Copa, até que se saíram razoavelmente bem, embora com diversos erros enumeráveis (que a tecnologia ajudaria e eliminar ou pelo menos reduzir consideravelmente). Cabe frisar: o recurso eletrônico viria pura e simplesmente para ajudar. E não será preciso inventar nada: basta usar o mesmo material que possibilita, por exemplo, identificar uma mordida do Suárez no Chiellini que passa despercebida na correria do jogo.
[11] A diferença entre rivalidade e xenofobia. Simples: quando você transforma um adversário em inimigo e o condena pela sua nacionalidade, você atravessou a fronteira da paixão com a patologia. Brasileiros precisam ouvir menos Galvão Bueno e visitar mais Buenos Aires.
[12] Arquibrancadas. Uma Copa sensacional dentro de campo, com boa média de gols, grandes atuações de vários goleiros e muitas cenas e jogos para lembrarmos com carinho. Estádios quase sempre perto da lotação. Só que, infelizmente, longe de retratar o país miscigenado e apaixonado por futebol que é o Brasil. Público quase exclusivamente branco, que fica ora sentado, ora xingando. Sempre bebendo. Se isso é o "padrão FIFA", precisamos sair dessa embriaguez, colocar a mão na consciência e passar a exigir um rumo diferente para a nação em geral e o futebol em particular. Prometo, a partir de então, me esforçar para cantar aquela canção que coloca brasileiro e orgulho na mesma frase.
Vamos à seleção da Copa do Mundo 2014. Da mesma maneira que fizemos na Copa passada (
veja aqui o tópico com a seleção de 2010), o critério é o de número de presenças como titular ou suplente nas seleções de cada
rodada da Copa. Quando no caso de grande proximidade entre dois ou mais
atletas da mesma posição, vantagem para aquele que teve maior
regularidade.
Titulares
Goleiro: Keylor Navas (Costa Rica)
Lateral direito: Pablo Zabaleta (Argentina)
Zagueiro: Ron Vlaar (Holanda)
Zagueiro: Mats Hummels (Alemanha)
Defensor esquerdo: Rafa Márquez (México)
Volante: Javier Mascherano (Argentina)
Volante: Bastian Schweinsteiger (Alemanha)
Meia: Lionel Messi (Argentina)
Meia: James Rodríguez (Colômbia)
Meia: Arjen Robben (Holanda)
Atacante: Karim Benzema (França)
Técnico: Louis van Gaal (Holanda)
Suplentes
Goleiro: Tim Howard (Estados Unidos)
Lateral direito: Philipp Lahm (Alemanha)
Zagueiro: Gary Medel (Chile)
Zagueiro: Mario Yepes (Colômbia)
Lateral esquerdo: Daley Blind (Holanda)
Volante: Gökhan Inler (Suíça)
Volante: Marouane Fellaini (Bélgica)
Meia: Thomas Müller (Alemanha)
Meia: Clint Dempsey (Estados Unidos)
Meia: Ivan Perisic (Croácia)
Atacante: Gonzalo Higuaín (Argentina)
Técnico: Marc Wilmots (Bélgica)
Menção honrosa: Manuel Neuer, Jérôme Boateng, Sami Khedira, Toni Kroos, Mesut Özil, André Schürrle, Miroslav Klose, Mario Götze e Joachim Löw (Alemanha), Sergio Romero, Martín Demichelis, Ezequiel Garay, Marcos Rojo, José María Basanta, Lucas Biglia, Enzo Pérez, Ezequiel Lavezzi, Ángel di María e Alejandro Sabella (Argentina), Jasper Cillessen, Tim Krul, Daryl Janmaat, Stefan de Vrij, Bruno Martins Indi, Dirk Kuyt, Georginio Wijnaldum e Robin van Persie (Holanda), David Luiz, Luiz Gustavo, Oscar e Neymar (Brasil), David Ospina, Cristian Zapata, Pablo Armero, Camilo Zúñiga, Juan Cuadrado e José Pekerman (Colômbia), Thibaut Courtois, Vincent Kompany, Jan Vertonghen, Kevin de Bruyne, Dries Mertens e Divock Origi (Bélgica), Blaise Matuidi, Paul Pogba, Mathieu Valbuena, Antoine Griezmann e Didier Deschamps (França), Geancarlo González, Yeltsin Tejeda, Cristian Bolaños, Bryan Ruíz, Joel Campbell e Jorge Pinto (Costa Rica), Claudio Bravo, Alexis Sánchez e Jorge Sampaoli (Chile), Guillermo Ochoa, Carlos Salcido e Andrés Guardado (México), Diego Benaglio, Stephan Lichtsteiner, Ricardo Rodríguez, Xherdan Shaqiri e Ottmar Hitzfeld (Suíça), Fernando Muslera, Diego Godín, Cristian Rodríguez e Luis Suárez (Uruguai), Vassilis Torosidis, Sokratis Papastathopoulos, Giorgios Karagounis e Georgios Samaras (Grécia), Rais M'Bolhi, Rafik Halliche, Djamel Mesbah, Sofiane Feghouli, Islam Slimani e Vahid Halihodzic (Argélia), Damarcus Beasley, Jermaine Jones, Michael Bradley e Kyle Beckerman (Estados Unidos),Vincent Enyeama, Ahmed Musa e Emmanuel Emenike (Nigéria), Alexander Domínguez, Christian Noboa e Enner Valencia (Equador), Stipe Pletikosa, Darijo Srna, Ivan Rakitic e Mario Mandzukic (Croácia), Sead Kolasinac (Bósnia & Herzegovina), Didier Zokora, Serey Die e Gervinho (Costa do Marfim), Giorgio Chiellini e Andrea Pirlo (Itália), Jordi Alba, Andrés Iniesta, David Villa e Vicente del Bosque (Espanha), Sergei Ignashevich (Rússia), Sulley Ali Muntari, André Ayew e James Appiah (Gana), Gary Cahill, Leighton Baines, Daniel Sturridge e Roy Hodgson (Inglaterra), Son Heung-Min (Coréia do Sul), Reza Haghighi (Irã), Atsuto Uchida e Keisuke Honda (Japão), Tim Cahill (Austrália), Noel Valladares, Roger Espinoza e Marvin Chávez (Honduras) e Stéphane M'Bia (Camarões).
Destaque
Se o fato de não decidir por um jogador apenas quer dizer que o blogueiro ficou "em cima do muro", então podem me considerar no ápice da divisória entre paredes. Vou citar apenas dois nomes nessa grande Copa, de dois jogadores que fizeram sete boas partidas no Mundial. Em algumas delas, foram muito bem. Em outras, simplesmente decidiram a partida na base do talento. São eles: Lionel Messi, vice-campeão com a Argentina, e Arjen Robben, terceiro colocado com a Holanda.
Na fase de grupos, Messi foi responsável direto em todas as três vitórias da seleção (sobre
Bósnia & Herzegovina,
Irã e
Nigéria). Atuações que chamavam para si a responsabilidade e empolgavam pela eficiência. Enquanto isso, Robben ia com todo o gás passando por cima de qualquer sistema defensivo, como ocorreu diante de
Espanha,
Austrália e
Chile.
Nos confrontos eliminatórios, Messi deu a assistência para o gol de Di María, o da classificação diante da
Suíça, nos últimos minutos na prorrogação. Também nas oitavas, Robben jogou demais e sofreu o pênalti que foi convertido por Huntelaar, virando a partida diante do
México nos acréscimos. Já nas quartas, vi Messi fazer magia a alguns metros de distância, coisa que jamais quero esquecer. Obrigado, gênio, pela atuação. Obrigado, Deus, pela graça. Que bom ter estado em
Argentina e Bélgica! Messi participou do lance do gol de Higuaín e quase marcou o dele no segundo tempo. Mais tarde, Robben daria uma canseira em toda a defesa da
Costa Rica. Mas, para fazer gol naquele goleiro Navas, só na disputa por pênaltis. Robben converteu o dele, Krul defendeu duas e a Holanda avançou. Nas semis, o encontro: Messi de um lado, Robben de outro.
Partida equilibrada, decisão por pênaltis e classificação argentina, com as duas feras convertendo suas respectivas cobranças.
Na disputa de terceiro lugar, Robben sofreu falta de expulsão (que se transformou em pênalti de amarelo) e com três minutos a Holanda já vencia o jogo diante do
Brasil. Foi, como de hábito, dificílimo acompanhar o ágil e hábil ponta holandês.
Na disputa de título, Messi jogou muita bola. Foi um dos melhores em campo, talvez o melhor. Mas, em suas grandes jogadas individuais que mais levaram perigo, não conseguiu mandar no gol. E quiseram os deuses do futebol que as maiores chances caíssem para Higuaín e Palacio. São ótimos, mas não são Messi. E a Argentina ficou no quase diante da
Alemanha.
Parabéns a ambos pelas excelentes performances e que bom podemos vê-los da primeira rodada até o sétimo e último compromisso!
Mesben e Robssi, destaques na Copa do Mundo 2014.