Poloneses, russos, alemães. Poucas coisas na vida seriam capazes de juntar indivíduos da espécie humana dessas três nacionalidades para uma atividade de fins pacíficos, afinal, as cicatrizes das Grandes Guerras permeiam o imaginários de muita gente, herdeiras ou não de pessoas que sofreram naquele lamentável período na história da humanidade. Fora do estádio, pelas ruas da capital polonesa Varsóvia, imagens flagraram confrontos entre russos e poloneses, mostrando que o embate transcendia o âmbito futebolista. E antes que você possa se perguntar onde entraria a Alemanha nesse negócio, o jogo foi apitado por Wolfgang Stark e auxiliado por dois compatriotas.
Felizmente, dentro de campo o que se viu foi uma boa partida, com vinte e cinco faltas assinaladas e apenas quatro cartões amarelos exibidos (dois para cada lado). Com a bola nos pés, os russos não chegaram a repetir a maravilhosa atuação vista na estréia, mas atuaram em bom nível mais uma vez. Já os poloneses, que oscilaram na partida diante dos gregos, dessa vez foram mais consistentes e mostraram um futebol que deve encher os torcedores de esperança na classificação para a próxima fase. O empate de 1a1 combinado à vitória tcheca sobre os gregos deixa o grupo A numa situação fantástica: todas as quatro seleções dependem de suas próprias forças para avançarem no torneio.
O jogo
Logo com seis minutos de jogo, o goleiro Malafeev teve que entrar em ação para impedir que a Polônia abrisse o placar no estádio Narodowy. E não foi uma ação qualquer: foi uma intervenção que esbanjou reflexo do camisa dezesseis russo: Obraniak cobrou falta pela direita, Piszczek desviou sutilmente com a cabeça e Malafeev salvou com a perna o remate frontal. No minuto seguinte, aos sete, Malafeev defendeu outro cabeceio, dessa vez após cruzamento pelo lado esquerdo de ataque polonês. Aos nove, Arshavin cobrou escanteio pela direita e mandou fechado, não marcando gol olímpico porque Tyton estava ligado e encaixou.
O jogo era bom e aos dez minutos Lewandowski recebeu uma bola escorada em cabeceio, ajeitou e chutou perto do ângulo direito. Aos onze, Kerzhakov recebeu enfiada de bola e Perquis deu carrinho certeiro, na bola, mas acabou sofrendo com as travas da chuteira do russo, que perfuraram sua canela quase na altura do joelho, colocando o sangue como novo ingrediente numa partida entre dois oponentes históricos na geopolítica de décadas atrás.
Aos dezessete minutos, uma linda troca de passes rápidos chegou até Lewandowski, que serviu Polanski e deste saiu um chute no canto direito, para abrir o placar. Só que foi flagrado impedimento, invalidando o lance. Aos dezoito, Perquis chutou rosto de Kerzhakov na área. A meu ver, nenhuma vingança tola daquele ocorrido na disputa entre os dois, mas mesmo que não tenha havido intenção, é inconcebível que a arbitragem alemã não tenha assinalado rigorosamente nada na jogada, deixando a partida seguir como se fosse natural algo como aquilo. Talvez as imagens de guerra estejam vivas na memória de alguns alemãs também... Jogo e vida que seguem. Aos vinte e quatro minutos, Arshavin cruzou da esquerda e Kerzhakov cabeceou à esquerda da meta. No minuto posterior, Wasilewski cabeceou e Malafeev defendeu. Com vinte e seis minutos, Kerzhakov cruzou rasteiro pela direita e bola passou Wasilewski, Arshavin e Piszczek. Talvez bastasse que uma dessa meia dúzia de pernas tocasse na redonda para que fosse marcado, contra ou a favor, o primeiro gol no jogo...
Kerzhakov era insistente: aos vinte e sete, avançou rapidamente pela esquerda e soltou chute que saiu por cima. E foi pela esquerda - mas não com Kerzhakov - que sairia o gol da Rússia. Aos vinte e sete minutos, os russos tinham uma falta para bater, sofrida por Zhirkov em lance onde preparava a ultrapassagem sobre Wasilewski. Arshavin colocou caprichosamente na área e quem foi ao encontra da bola quase na pequena área foi Dzagoev, que no momento da cobrança da falta estava na meia-lua. Uma estratégia interessante para se desvencilhar da marcação adversária (Piszczek não conseguiu acompanhar o atacante russo), premiada com um gol de ombro do goleador isolado na Euro 2012 - era o terceiro gol de Dzagoev no torneio.
A Polônia chegou ao ataque na busca pelo empate com Błaszczykowski, que chutou forte mas nem por isso conseguiu superar Malafeev, que rebateu aos trinta e oito minutos. Os russos não diminuíram a intensidade de seu jogo e seguiram criando chances. Aos quarenta e dois, Kerzhakov tabelou pela direita, cruzou rasteiro, mas foi feito o corte antes que a bola chegasse em Dzagoev. Ainda aos quarenta e dois, em conseqüência ao lance anterior, Arshavin cobrou escanteio pelo lado direito mandando aberto, na esquerda, no que caracteriza uma jogada ensaiada. Bem ensaiada: Zhirkov usufruiu de liberdade e pegou de primeira, mandando à direita da meta um chute difícil de direcionar ao gol, mas plausível enquanto tentativa. Aos quarenta e quatro, um levantamento da esquerda chegou até Dzagoev, que sofreu falta mas Wolfgang Stark resolveu inverter a infração e penalizar os russos no lance, apitando a favor dos poloneses.
O jogo foi para o intervalo com superioridade flagrante dos russos, que detinham 58% do tempo de posse de bola. Além disso, mostravam mais eficiência no uso dela, acertando 77% dos 254 passes trocados diante de 67% nos 156 toques poloneses. Dzagoev, goleador na partida e no torneio, era o atleta russo que mais havia corrido: 5,91 quilômetros. E estamos falando aqui de um atacante!
Com tudo isso e a lembrança de que a Polônia caiu de rendimento no segundo tempo na partida de estréia, parecia que o retorno dos vestiários seria para confirmar a vitória da Rússia. Mas futebol não é uma ciência exata e os poloneses cresceram na partida de modo tal modo que qualquer resultado não seria surpreendente. Já aos quarenta segundos, Lewandowski recebeu na esquerda, perdeu o ângulo e Malafeev bloqueou. Na seqüência, a Polônia teve dois escanteios consecutivos e no últimos deles Perquis subiu bem, cabeceando por cima. Aos quatro, Zhirkov escapou da marcação pela esquerda, chegou na linha-de-fundo, tocou atrás, mas a bola foi recuperada pela defesa polonesa. No minuto seguinte, Obraniak levantou a partir do lado direito e Malafeev mergulhou para impedir que a bola chegasse em Lewandowski, afastando a redonda dali. Aos seis, Arshavin era seguido por Piszczek e improvisou, chutando de bico e mandando à esquerda.
O jogo era lá e cá, e na marca de onze minutos o futebol mostrou o quanto é um esporte especial, onde num intervalo de alguns segundos, tudo pode mudar. Vamos ao(s) lance(s). A Rússia partiu em contra-ataque puxado por Arshavin pelo flanco esquerdo, atacando com quatro para três defensores oponentes. Arshavin viu um companheiro livre à sua direita e fez o passe, que acabou interceptado providencialmente por Boenisch. Se a bola passasse, provavelmente a Rússia marcaria dois a zero no placar. Mas nascia naquela interceptação um contra-ataque no qual Błaszczykowski recebeu de Obraniak, cortou para dentro fazendo a ultrapassagem na marcação e soltou um chute fantástico, com curva e velocidade estonteantes, estufando a rede no quadrante seis. O dois a zero potencial se transformou num um a um factual, deixando tudo igual no placar em Varsóvia.
A partida prosseguiu equilibrada, com duas seleções mostrando afinidade com a bola e nem tanta entre os jogadores de uniformes diferentes. Aos catorze, Denisov e Lewandowski se desentenderam e receberam cartão amarelo. Aos vinte e dois, Dzagoev tabelou e chutou cruzado, com Tyton conseguindo defender sem dar rebote e se mostrando um substituto e tanto para Szczesny, titular na posição que cumpria suspensão pela expulsão na estréia. No minuto posterior, Błaszczykowski chutou pelo lado direito e Malafeev rebateu. Naquele mesmo minuto, aos vinte e três, Kerzhakov partia em direção ao gol até cair com o último homem às suas costas. Lance de falta e expulsão, que Stark mandou seguir. Foi a última participação de Kerzhakov, que aos vinte e quatro minutos dava lugar a Roman Pavlyuchenko, em substituição que o holandês Dick Advocaat fizera diante dos tchecos e que deu resultado. Aos vinte e sete quem mexeu foi Franciszek Smuda: saiu Dudka, entrou Mierzejewski. E um minuto depois de entrar, Mierzejewski descolaria chute de fora, que saiu à esquerda. Aos vinte e nove, o alemão Wolfgang Stark voltou a aprontar contra os russos: Dzagoev sofreu falta por trás quando tinha a bola, sendo derrubado. Indignado com a não-marcação, protestou e recebeu cartão amarelo.
Aos trinta e um minutos, Boenisch, que muito ajudava na defesa, deu as caras no ataque e protagonizou bonito lance, quando recebeu na esquerda, passou por dois e chutou por cima. No minuto seguinte, o incansável Zhirkov partia em velocidade até ser parado em choque de joelhos com Polanski. Pior para o polonês, que ficou caído no gramado e recebeu cartão amarelo pela infração. Aos trinta e quatro, Advocaat trocou Dzagoev por Izmailov. Com trinta e oito, Stark ignorou pé alto em Perquis - tá vendo como é séria essa história sobre colocar alemão pra apitar duelo entre poloneses e russos? Aos trinta e nove, Polanski, que gesticulara pedindo para ser substituído após aquele choque de joelho com Zhirkov, deixou o campo e deu lugar a Matuszczyk. Aos quarenta e cinco, Arshavin avançou pela esquerda e passou para Zhirkov, que chegou mais uma vez na linha final e tocou atrás, com a defesa polonesa conseguindo recuperar a posse de bola, em lance que fez lembrar um ocorrido aos quatro minutos também no segundo tempo. Stark indicou três minutos como acréscimo e aos quarenta e sete Smuda trocou Obraniak por Brozek. O que mais chamou atenção foi a forma como Obraniak deixou o gramado, explicitando irritação. Talvez estivesse entusiasmado em cobrar a falta que a Polônia tinha para bater. O fato é que sua reação pareceu um tanto desproporcional. E o jogo terminou mesmo empatado.
Outro resultado
Terça-feira (Grupo A)
Grécia 1a2 República Tcheca
Situação no grupo
Na última rodada, a Polônia (2 pontos) enfrenta a República Tcheca (3) enquanto a Rússia (4) tem pela frente a Grécia (1). Sendo simples e direto: quem vencer, se classifica para a fase quartas-de-final (no caso da Grécia, há que se considerar o saldo de gols, questão que se resolve com uma vitória por três gols). Os russos têm a vantagem de garantirem a classificação com um empate sem depender de outro resultado.
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