Quiseram os deuses do futebol guardar para o último jogo a partida mais emocionante na primeira rodada da Euro 2012. A Ucrânia de Shevchenko protagonizou a primeira virada na competição diante da Suécia de Ibrahimovic, brindando o público presente no estádio municipal de Kiev com um jogo para se guardar na memória.
O jogo
Começou sob o agradável contexto de uma temperatura de 25ºC, de ventos soprando a uma velocidade de 6km/h e de uma umidade relativa do ar em torno de 51% e terminou de maneira espetacular a partida realizada na capital ucraniana. Já com vinte e cinco segundos, aquele individualismo exacerbado que acompanha a carreira de Zlatan Ibrahimovic pôde ser visto, com o jogador prendendo demais a bola consigo e desperdiçando a posse, que ali passava ao adversário. Mas não vou aqui cravar que a partida de Ibrahimovic tenha sido ruim. Pelo contrário: no geral, o camisa 10 sueco conseguiu participar bem das jogadas de ataque da equipe. Na primeira delas, aos dezesseis minutos, Ibra fintou Mykhalyk pelo flanco esquerdo, colocou a bola na área, o goleiro Pyatov socou a redonda com os dois punhos e só na seqüência a defesa ucraniana conseguiu finalmente afastar o objeto esférico de sua área. Antes disso, porém, ambas as equipes já haviam chutado a gol. Aos três minutos, Konoplyanka recebeu de Selin, carregou e rematou à direita. No minuto seguinte, os suecos responderam com chute de longa distância de Källström, que passou por cima.
Das arquibancadas saía bastante barulho, mostrando que a torcida local estava disposta a participar do jogo e a empurrar seus compatriotas na direção da vitória. Quando Shevchenko tocava na bola, as manifestações pareciam se multiplicar. Aos vinte e dois minutos, o maior ídolo futebolista do país puxou contra-ataque em velocidade, tabelou, recebeu de volta em liberdade e decidiu chutar, mandando uma bola cruzada que acabou saindo à direita. É bem verdade que Shevchenko poderia rolar de lado para permitir a finalização a um de seus dois companheiros que acompanhavam o lance de frente para a baliza, mas o remate se justifica até pelo delírio coletivo de ver o craque partindo em velocidade com a possibilidade de abrir o placar em Kiev.
Três minutos depois, a Ucrânia chegou novamente: Voronin foi lançado nas costas de Granqvist e não alcançou a bola por pouco - talvez se alcançasse receberia o cartão amarelo, porque o camisa 10 ucraniano esticou o braço voluntariamente para um suposto toque irregular. Aos dezoito, Nazarenko cobrou falta na área e convidou Isaksson para trabalhar - o goleiro sueco segurou a bola com segurança. Tarefa mais complicada teria o arqueiro ucraniano, dois minutos depois, quando Rosenberg recebeu de Toivonen, girou e chutou, com Pyatov agindo bem ao abafar e pegar na esquerda. Aos trinta e dois minutos, Voronin puxaria contra-ataque perigoso, mas a arbitragem inventou uma falta no desarme feito sobre Olsson, invalidando o lance.
A Ucrânia detinha 56% do tempo de posse de bola e mostrava-se cada vez mais presente no campo de ataque. Aos trinta e quatro, Voronin chutou forte de fora da área e Isaksson, por medida de segurança, defendeu em dois tempos. No minuto seguinte, Ibrahimovic voltou a pecar pelo excesso de tempo carregando a bola, permitindo o desarme feito por Gusev. As maiores chances de gol na primeira etapa estavam por vir. Aos trinta e sete minutos, Voronin deixou com Shevchenko, que tabelou com Yarmolenko, conseguiu cruzar mesmo travado e o camisa 11 chutou firme - os suecos foram salvos pelas pernas de Granqvist, responsáveis pelo bloqueio na finalização que tinha a rede como endereço. Aos trinta e oito, um ótimo lançamento deixou Ibrahimovic na boa para cabecear, e o cabeceio carimbou caprichosamente a trave esquerda, com o goleiro Pyatov já batido no lance após ter sido pego no contrapé. Na última chance anterior ao intervalo, Gusev recebeu na direita e mandou para Konoplyanka, que mandou por cima com um voleio aos quarenta e um.
Oleg Blokhin e Erik Hamrén trouxeram os mesmos jogadores para o segundo tempo, e a Suécia teve a primeira chance aos três minutos, em lance que começou numa recuperação de bola de Larsson e terminou em finalização de Rosenberg, travada por Selin. Aos seis, a Suécia abriu o placar: Larsson cruzou, Yarmolenko desviou de cabeça sem conseguir afastar o perigo, Källström recolheu pela esquerda e serviu Ibrahimovic, que completou pra rede. O desagradável na construção da jogada é que Selin estava caído próximo à linha lateral esquerda, aguardando atendimento médico - e nem por isso os suecos mandaram a bola para fora, tratando de manter o espírito competitivo acima do esportivo.
A partir daquele momento, o jogo nunca mais seria o mesmo. A seleção ucraniana parece ter transformado aquela situação em energia propulsora para renovar suas forças dentro de campo. E a recompensa veio depressa: aos nove minutos, Gusev carregou e entregou para Yarmolenko, autor de um cruzamento tão caprichado que prefiro chamar de passe, com a bola seguindo seu curso passando por Mellberg e indo ao encontro de Shevchenko, que cabeceou no contrapé de Isaksson para empatar a parada. 1a1 e festa no estádio municipal da capital.
Se quando falei em 'energia propulsora para renovar as forças ucranianas no jogo' a frase pareceu de alguma forma abstrata, a figura de Selin correndo pelo mesmo setor onde minutos atrás estivera caído no gramado serve como exemplo concreto: o lateral-esquerdo deu um pique contagiante para desarmar um adversário e recuperar a posse de bola.
A Ucrânia já havia trocado 273 passes quando a Suécia não havia passado dos 166 e o ímpeto pela virada só fazia crescer. Aos quinze minutos, Voronin recebeu na área, fintou Granqvist e teve o chute bloqueado. Nascia ali um escanteio. Melhor dizendo: nascia ali o escanteio. Konoplyanka encarregou-se de efetuar a cobrança pelo lado esquerdo enquanto Shevchenko e os deuses do futebol cuidariam de todo o resto - com um drible de corpo em Ibrahimovic, Shevchenko escapou da marcação contornando o adversário e foi ao encontro da bola, cabeceando na altura do primeiro poste e direcionando o objeto esférico exatamente no espaço vazio que o levaria para a rede, isto é, entre Lustig e o ferro vertical situado logo ali. 2a1 Ucrânia, para enlouquecer o mais são dos torcedores locais.
A reação de Hamrén foi trocar Toivonen por Svensson, substituição realizada aos dezessete minutos. A reação de Ibrahimovic foi se atracar com Khacheridi em disputa de bola, em lance onde foi marcada falta do sueco em cima do ucraniano. Aos vinte e dois, a segunda mexida na Suécia: Larsson por Wilhelmsson. Naquele mesmo minuto, Elm chutou de fora da área e mandou à direita. Elm voltaria a aparecer dois minutos depois, quando foi lançado e pegou de primeira - a bola acabou sendo recolhida por Pyatov. Hamrén não queria saber de perder tempo e mexeu novamente, trocando Rosenberg por Elmander e mudando a referência no ataque. Os ucranianos até tiveram uma chance aos vinte e oito, depois que Selin cobrou lateral com força e Konoplyanka chutou de fora, à esquerda. Mas o que se via em campo era a Suécia atacando como nunca antes no jogo.
Aos trinta minutos, Ibra fez a tabela e bateu forte, com Pyatov defendendo na base do reflexo. No minuto seguinte, Pyatov interviu na base da coragem, mergulhando para desarmar Wilhelmsson. Aos trinta e quatro, Wilhelmsson recolheu a bola na esquerda, chutou e Pyatov defendeu novamente.
Com quatro chutes, três na direção do gol e dois estufando a rede, Shevchenko deixou o campo e a braçadeira de capitão aos trinta e seis minutos no segundo tempo, sendo ovacionado pelos ucranianos, que fizeram questão de aplaudí-lo de pé no estádio. Quem entrou em seu lugar foi Milevskiy.
Aos trinta e sete minutos, Voronin sofreu uma falta que rendeu cartão amarelo para Elm pela entrada. Na cobrança, Nazarenko mandou a bola perto do ângulo esquerdo. Dois minutos depois, aos trinta e nove, Voronin deu lugar a Rotan na seleção ucraniana. E a pressão sueca se intesificou depois disso. Aos quarenta, Wilhelmsson pôs na área mas a bola não chegou em Mellberg, que naquele momento era muito mais um centroavante do que qualquer outra coisa. Com quarenta e quatro minutos, uma bela tabela entre Ibrahimovic e Elmander terminou em chute de Elmander para fora. O mesmo Elmander que, no minuto seguinte, daria com o joelho nas costas de Mykhalyk, em lance onde vai entender como conseguiu sair sem qualquer cartão por parte do turco Cüneyt Çakir (o mesmo daquele Barcelona 2a2 Chelsea). Aos quarenta e seis, Konoplyanka saiu para a entrada de Devic, na última substituição do jogo. E a última oportunidade de gol deu-se no minuto posterior: Elm lançou Mellberg, que até mostrou um certo cacoete de atacante ao pegar de primeira na bola e encobrir o goleiro Pyatov, mas talvez naquele momento o vento tenha passado a soprar mais forte e a redonda passou por cima do travessão, estufando a rede pelo lado externo. Para felicidade geral da nação.
A seleção co-anfitriã, que vinha de duas derrotas antecedendo sua preparação para a Euro, certamente surpreendeu bastante gente com essa estréia maíúscula no torneio. E digo isso não apenas pela vitória de virada diante de uma adversária qualificada, mas sobretudo pela maneira como jogou, sabendo fazer fluir seu jogo e chegando por diversas vezes ao ataque, mantendo a posse de bola em 53% sob seus domínios e cometendo somente doze faltas (sofreu vinte). A Suécia, que vinha de quatro vitórias consecutivas na reta final de preparação, acabou derrotada diante daquela que talvez fosse considerada a adversária mais fácil na chave. As boas entradas de Svensson, Wilhelmsson e Elmander podem servir de alento para a equipe, que não pode, não deve e certamente não quer depender meramente do talento de Ibrahimovic para selar sua sorte na competição. Por mais que às vezes ele apareça bem.
Outros resultados
Sexta-feira (Grupo A)
Polônia 1a1 Grécia
Rússia 4a1 República Tcheca
Sábado (Grupo B)
Holanda 0a1 Dinamarca
Alemanha 1a0 Portugal
Domingo (Grupo C)
Espanha 1a1 Itália
Croácia 3a1 Irlanda
Hoje (Grupo D)
França 1a1 Inglaterra
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