O estádio olímpico de Kiev, palco da final na Eurocopa 2012 no próximo domingo, sediou uma partida de quartas-de-final que, a julgar pela qualidade do jogo, poderia tranqüilamente ter sido a grande decisão da competição. Não que o estilo de jogo de Itália e Inglaterra me encante, mas a sucessão de acontecimentos foi deliciosa e fica realmente a sensação de que, com uma semana de antecipação, tivemos um encontro com cara de final de Euro.
Curiosamente, uma partida recheada de emoções, finalizações, jogadas de efeito, correria e entrega marcou o primeiro zero a zero na atual edição do torneio. Se todo zero a zero fosse assim, sinceramente, o gol não faria falta ao futebol.
O jogo
Os quatro primeiros minutos de jogo foram mais expressivos do que partidas inteiras pelo mundo a fora. Pode parecer exagero, mas era como se fosse possível sentir a vibração dos jogadores no desenvolvimento de jogadas muito bem elaboradas e executadas. Com dois minutos, Daniele de Rossi descolou remate maravilhoso, pegando de primeira com a parte externa do pé e encaminhando a bola à trave direita de Joe Hart, que saltou bem mas sem condições de tocá-la. Se entra, cravaria como o mais belo gol da Euro. A Inglaterra respondeu à altura, de um jeito nada parecido com o que os ingleses vinham jogando - o que é ótimo para o espetáculo -, e, após rápida troca de passes pelo chão, Glen Johnson recebeu de frente para o gol, na pequena área, e chutou tirando do goleiro. Mas o goleiro era Ginaluigi Buffon, que conseguiu, sabe Deus como, esticar o braço esquerdo e colocar a mão no percurso da bola, bloqueando o remate e, na seqüência, defendendo em definitivo.
O duelo era bastante movimentado, fazendo valer ao fanático por futebol passar a madrugada em claro a fim de acompanhar o VT desse jogaço (a televisão aberta brasileira cometeu a infração de não transmitir essa partida ao vivo, dando preferência à sexta rodada de um Campeonato Brasileiro longe de engrenar). Os ingleses marcavam presença no campo de ataque e a atuação de Johnson era determinante para envolver a defesa italiana - o lateral-direito apoiava com grande qualidade e encontrava espaços para trabalhar a bola, além de ajudar a defesa quando fosse necessário. Aos catorze, um cruzamento (melhor dizendo, passe pelo alto) dado por Johnson permitiu que Wayne Rooney cabeceasse em ótimas condições, mas a finalização passou por cima.
Diferentemente do que foi visto na fase de grupos, a Itália jogava com De Rossi a frente da linha de defesa, auxiliando a criação de jogadas com Andrea Pirlo, Claudio Marchisio e Riccardo Montolivo, formando um meio-campo voluntarioso e coeso. Desses quatro, Montolivo conseguia se destacar, descolando pelo menos dois passes magistrais no intuito de servir seus companheiros. Aos dezessete, ele pegou de primeira para acionar Antonio Cassano nas costas da defesa inglesa, mas Hart estava atento e conseguiu fazer a interceptação.
As duas linhas de quatro escaladas por Roy Hodgson funcionavam bem, dando uma consistência defensiva que complicava as investidas italianas. Porém, a Azzurra encontrou uma brecha aos vinte e cinco: Mario Balotelli recebeu em posição legal, arrancou em liberdade e, no momento da definição do lance, foi surpreendido pela intervenção providencial de John Terry, que evitou a tentativa do toque de cobertura colocando o corpo na frente da bola. Aos trinta e um, um novo belo passe de Montolivo serviu Balotelli, que pegou de voleio e parou em defesa de Hart.
A Itália ainda levaria perigo por mais duas vezes no primeiro tempo, em ambas com participação de Cassano. Aos trinta e sete, ele chutou de fora da área e Hart defendeu em dois tempos. Aos quarenta, Pirlo lançou, Cassano ajeitou de cabeça e Balotelli completou para fora.
O segundo tempo teve início com uma linda jogada de James Milner pela direita, que terminou em cruzamento afastado por Ignazio Abate. Mas os comandados de Cesare Prandelli logo assumiriam o controle do jogo para, dali em diante, ditar o ritmo dos acontecimentos. Aos dois, De Rossi recebeu de Marchisio e finalizou para fora, desperdiçando ótima oportunidade, livre na pequena área. Aos seis, Hart rebateu remate de Balotelli e Montolivo completou, mandando por cima. Aos catorze, Balotelli voltou a aparecer ao tentar de bicicleta, mas a bola subiu mais do que o atacante gostaria.
Assistindo o English Team ser pressionado, Hodgson tratou de agir e realizou duas substituições simultâneas: aos quinze minutos, saíram James Milner e Danny Welbeck, entraram Theo Walcott e Andy Carroll. E a alteração por muito pouco não deu resultado prático quatro minutos depois de sua ocorrência: Walcott avançou pela direita, cruzou e Carroll quase conseguiu cabecear antes que a bola ultrapassasse a linha final.
Apesar daquele lance de ataque, a Inglaterra foi novamente se vendo dominada territorialmente e atuando basicamente no campo de defesa e sem a posse de bola. A velocidade de Walcott e a presença de área de Carroll quase não tinham mais qualquer serventia a uma equipe arrumada de modo a reduzir os espaços a um adversário que a todo momento esboçava infiltrar em sua defesa. Mas a Itália esbarrava nas geométricas linhas quádruplas inglesas, sem conseguir transpô-las. Faltava inspiração a Pirlo e disposição a Cassano, um herói por conseguir jogar tão intensamente meses após sofrer uma cirurgia no coração. Prandelli, então, mexeu na equipe. Aos trinta e dois, trocou Cassano por Alessandro Diamanti. Dois minutos depois, colocou Antonio Nocerino no lugar de De Rossi, em substiuição inteligente na medida em que aumentava a aproximação do meio para o ataque. Por questões clínicas, Prandelli teve que gastar a terceira substituição nos acréscimos: machucado, Abate, que participou bastante do jogo no segundo tempo, deu lugar para Maggio. Aos quarenta e três, Nocerino recebeu no ataque mas teve o chute travado por Johnson. A Inglaterra, que tanto se defendia, quase marcou no finalzinho: Ashley Cole cruzou, Carroll ajeitou de cabeça e Rooney deu de bicicleta, para fora.
Veio a prorrogação e a Itália conseguiu dar seqüência ao grande volume de jogo visto no tempo regulamentar. Hodgson tinha uma dificuldade a mais, pois Steven Gerrard mal conseguia andar de tantas dores - num determinado momento, chegou a cair no gramado dando sinais de cãimbras. Só que o capitão inglês permaneceu em campo, o que só faz aumentar a admiração por esse atleta, que honra a braçadeira que envolvia seu braço - a última substituição de Hodgson envolveu a saída de Scott Parker para a entrada de Jordan Henderson. Aos dez minutos, teve a vez a maior chance de gol do primeiro tempo da prorrogação: Diamanti colocou na área a partir do lado direito, ninguém desviou e a bola encontrou a trave direita.
Veio o segundo tempo e, de uma vez por todas, o desenho do jogo era nítido como os uniformes monocromáticos das seleções em campo: os de azul atacavam, os de branco defendiam. Aos nove, saiu o gol: Diamanti cruzou da direita e Nocerino cabeceou para a rede. Mas o auxiliar que acompanhava o lance foi preciso ao acusar impedimento no lance, mantendo o placar zerado.
Nos pênaltis, os deuses do futebol confirmaram duas coisas numa tacada só: [1] a "sina" inglesa de não se dar bem nesse tipo de disputa (esse foi a sexta eliminação nessas condições nos últimos vinte e dois anos) e [2] a superioridade italiana ao longo dos mais de 120 minutos (foram cerca de trinta e cinco finalizações para uma equipe e nove para outra, além da grande diferença na posse de bola: 63% a 37%).
As cobranças se sucederam com Balotelli, Gerrard (sim, ele ainda abriu as cobranças inglesas!), Montolivo e Rooney mandando no canto direito - Montolivo acabou mandando pouco além do limite da baliza, desperdiçando. A terceira série foi aberta com a Itália em desvantagem no placar (1a2), mas nem por isso o experiente Pirlo se intimidou, esbanjando frieza e categoria ao dar uma cavadinha no centro da meta. Ashley Young, por sua vez, tinha o semblante tenso ao partir para a bola e acabou enviando a redonda ao travessão. Depois, Nocerino marcou para a Itália e Gianluigi Buffon segurou a cobrança do outro Ashley - Cole, que escolheu o lado esquerdo. Coube a Diamanti a cobrança derradeira, promovendo uma festa no gramado digna de campeões. Aliás, o último título italiano foi na Copa 2006, em disputa de penalidades. Penalidades, palavra que deve causar más recordações aos ingleses, eliminados da Euro 2012 de maneira invicta.
Outros resultados
Quinta-feira, 21.06.2012
República Tcheca 0a1 Portugal
Sexta-feira, 22.06.2012
Alemanha 4a2 Grécia
Sábado, 23.06.2012
Espanha 2a0 França
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