O duelo ibérico entre Portugal e Espanha foi disputado intensamente desde o apito inicial até a última cobrança de pênalti, convertida por Francesc Fàbregas, selando a classificação dos atuais campeões para mais uma final de Eurocopa. Talvez o grande fator de equilíbrio para a partida tenha sido a aplicação tática e resistência física por parte dos portugueses, que suportaram cerca de duas horas de jogo realizando uma marcação apertada, a fim de encurtar os espaços e inibir a força criativa no toque de bola espanhol.
Esse foi o segundo 0a0 na Euro 2012 (curiosamente, o outro aconteceu exatamente na partida anterior a essa, entre Inglaterra e Itália, na fase quartas-de-final). Porém, diferentemente daquele jogo, este entre Portugal e Espanha não teve tantas chances de gol e muito menos uma equipe estabelecendo amplo domínio sobre a outra. O motivo maior, insisto, me parece ter sido a aplicação tática e resistência física dos portugueses.
O jogo
Para quem gosta de uma surpresa, Vicente del Bosque é mestre. Pairava uma dúvida sobre se o técnico espanhol utilizaria Francesc Fàbregas ou Fernando Torres entre os onze iniciais e eis que o escolhido foi Álvaro Negredo. Uma aposta que se mostraria mal-sucedida, apesar dos esforços do atacante, que procurou se movimentar e ajudar seus companheiros, mas acabou atuando mais fora da área do que dentro, não finalizando nenhuma vez e jogando um tanto fora de suas características - certamente, mais por necessidade das circunstâncias do que por preferência do atacante.
Foi numa das boas aparições de Negredo que pintou a maior chance de gol no primeiro tempo de partida: ele foi lançado aos vinte e oito minutos, pegou a bola na direita, chegou até a linha-de-fundo, tocou para Xavi Hernández e deste saiu passe para Andrés Iniesta, que colocou a bola por cobertura e quase marcou bonito gol, mas a redonda só encostou na rede pelo lado externo. Dois minutos depois, aos trinta, Portugal esteve próximo de marcar através de Cristiano Ronaldo, que recebeu bola recuperada por João Moutinho e chutou perto da trave esquerda.
O jogo foi para o intervalo sem que nenhum dos dois goleiros defendesse um chute sequer - as intervenções de Iker Casillas e Rui Patrício foram basicamente em lances de cruzamento ou para recolher tentativas de enfiadas de bola. No segundo tempo, aos oito, Del Bosque trocou Negredo por Cesc Fàbregas, retornando a uma formação utilizada em outras partidas no torneio. Aos catorze, colocou Jesús Navas no lugar de David Silva. E o jogo ficou mais movimentado a partir de então, embora sem necessariamente grandes oportunidades de balançar as redes. Aos dezoito, uma rápida tabela entre Fàbregas e Iniesta ia deixando Cesc na cara do gol, mas João Pereira cometeu falta agarrando o camisa dez e recebendo cartão amarelo - grosso modo, foi algo como trocar um gol por um cartão. Aos vinte e dois, Xavi chutou à meia-altura de fora da área e Rui Patrício praticou a primeira defesa de uma finalização na partida, fato que mostrava como a marcação portuguesa era firme e funcional. Só que o sistema defensivo dos comandados de Paulo Bento não é digno de apenas elogios - há que se criticar o excesso no número de entradas faltosas, muitas delas com força excessiva, notadamente quando o truculento zagueiro Bruno Alves saltava na disputa aérea. No voluntarioso selecionado português, até o centroavante Hugo Almeida era elemento participativo na defesa, ajudando a afastar algumas bolas que rondavam a meta lusitana. Aos trinta e cinco, provavelmente por cansaço, Almeida foi substituído por Nélson Oliveira.
Se naquele momento Paulo Bento realizava sua primeira substituição na partida, seis minutos depois Del Bosque faria a última a que tinha direito: saiu Xavi, entrou Pedro Rodríguez. Mas a melhor chance de mexer no placar no final do jogo foi portuguesa: aos quarenta e quatro, um contra-ataque veloz chegou até Raul Meireles e do meio-campista chegou até Cristiano, que estava posicionado à esquerda e com relativa liberdade - chutou por cima e desperdiçou a oportunidade.
Os dados estatísticos divulgados após o apito final apontavam 57% do tempo de posse de bola pertencente à Espanha, que acertou 75% dos 489 passes tentados, enquanto Portugal teve um índice de acerto de 65% num universo de 279 trocas de passe. Mas uma estatística os portugueses lideravam: a de faltas cometidas. Foram 24 para 17 sofridas.
Teve vez a prorrogação e com ela o jogo espanhol passou a fluir melhor, notadamente pelos flancos do gramado e sobretudo pelo lado esquerdo. Era por ali que atuavam Pedro e o lateral Jordi Alba, que subiu bastante de produção após a terceira modificação feita por Del Bosque. Aos treze minutos, Navas tinha a bola pela direita e, no que me pareceu uma tentativa de rematar em gol, acabou involuntariamente invertendo o jogo para a esquerda. A bola chegou em Pedro, que protagonizou a mais bela jogada de efeito na partida aplicando dois balões na marcação - na seqüência, bola para Alba e cruzamento rasteiro, que Iniesta completou e Rui Patrício interviu brilhantemente para espalmar à esquerda. Dois minutos mais tarde, aos quinze, Sergio Ramos cobrou uma das dezenas de falta sofridas pelos espanhóis e quase acertou o ângulo direito, num foguete que passou perto do ferro.
No rápido intervalo, Bento trocou Miguel Veloso por Custódio Castro, naquela que era a segunda modificação no Portugal. Teve início o segundo tempo na prorrogação e aos trinta e oito segundos Téo José soltou a frase: "toca a bola a equipe do Barça". Ato falho, mas nem tanto, dada a semelhança do uso da posse entre o melhor time e a melhor seleção na atualidade. Aos cinco minutos, Navas recebeu pela direita e descolou chute cruzado que tinha o endereço da rede, mas Rui Patrício conseguiu colocar a mão direita no caminho e rebateu o remate, contando ainda com a ajuda de Pepe, que fez a proteção no rebote e permitiu que o goleiro agarrasse em definitivo. Aos sete minutos, Paulo Bento mexeu pela última vez e teve a ousadia de trocar Meireles por um atacante, colocando em campo Silvestre Varela. A partir daí, apareceram mais espaços para a seleção espanhola trabalhar a bola e surgiram pelo menos duas boas oportunidades de gol. Aos oito, Cesc deu para Pedro pelo lado esquerdo nas costas da defesa, o atacante avançou, cortou para a direita como quem preparava para a finalização e Fábio Coentrão apareceu para afastar. Aos doze, Alba cruzou da esquerda e Pepe cortou antes que a bola chegasse em Fàbregas.
O apito final do árbitro turco Cüneyt Çakin soou dois segundos antes da marca de 15 minutos regulamentares, o que deve ter sido um alívio para a seleção portuguesa, já que naquele momento o jogo tinha contornos muito mais favoráveis aos espanhóis.
Entre as três barras de ferro, estavam Rui Patrício e Iker Casillas. O goleiro português tem uma marca espetacular com a camisa do Sporting: defendeu 9 de 19 cobranças de pênaltis. O goleiro espanhol dispensa adjetivos, tendo terminado o quarto jogo consecutivo na Euro sem ser vazado (só sofreu gol na estréia, marcado por Antonio di Natale).
E os goleiros brilharam já na primeira série de cobranças: Patrício pegou o chute de Xabi Alonso no canto esquerdo e Casillas impediu que o chute de Moutinho entrasse no canto direito. Na segunda e terceira séries, dois gols para cada lado: primeiro, Iniesta marcou para a Espanha (quadrante 14) e Pepe para o Portugal (quadrante 11, com Casillas chegando perto da bola); depois, Piqué marcou para os espanhóis (cobrança parecida com a de Pepe) e Nani para os portugueses (cobrou no alto, estufando a rede no quadrante 2). De cavadinha, Sergio Ramos mandou a bola no quadrante 9, marcando naquele momento 3a2 para a Espanha. Bruno Alves, que mais bateu do que jogou, carimbou o travessão na proximidade da trave esquerda. Quiseram os deuses do futebol que a cobrança da classificação espanhola caísse nos pés de Fàbregas, o mesmo a converter o chute derradeiro nas penalidades da Euro 2008, no confronto de quartas-de-final diante da Itália. E, novamente, Cesc e a Espanha foram bem-sucedidos: o chute do camisa 10 bateu na trave direita antes de entrar, sem dar chance de defesa para o goleiro Rui Patrício, que até acertou o canto mas não pôde evitar a festa espanhola. Agora, que venha o vencedor de Alemanha e Itália.
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