quarta-feira, 30 de junho de 2021

Ucrânia Consegue Vitória Histórica E Avança Às Quartas Na Eurocopa 2020

Suécia e Ucrânia fecharam a fase oitavas de final num jogo definido nos últimos instantes na prorrogação. Com a vitória por dois a um em Glasgow, a Ucrânia triunfa pela primeira vez na história em um confronto eliminatório de Euro e terá pela frente na fase quartas de final a Inglaterra, que venceu a Alemanha em jogo realizado também nessa terça-feira.

O primeiro tempo de jogo foi movimentado, com a Ucrânia mudando sua formação tática para uma composição com três zagueiros. Agora, diferentemente da fase de grupos, Zinchenko passava a jogar pelo flanco esquerdo em vez de ficar mais centralizado. E tal escolha do técnico Shevchenko se mostrou acertada tanto pela desenvoltura do jogo ucraniano quanto pelo próprio lance do gol inaugural: aos vinte e seis minutos de partida, Shaparenko fez ótima inversão com lançamento para o flanco direito e encontrou Karavaev, que tocou para Yarmolenko - de forma genial, o capitão abriu na esquerda com passe espetacular com o lado externo do pé e Zinchenko chegou chutando de primeira, cruzado, uma bola que ainda chegou a ser tocada pelo bom goleiro Olsen. Um dos mais belos gols da Eurocopa 2020.

A Suécia quase igualou a contagem aos vinte e nove minutos no que seria o primeiro gol em cobrança de falta nessa edição da competição: quando a maioria - ou mesmo todo mundo - esperava uma bola levantada no meio da área, Larsson viu o posicionamento do goleiro e decidiu cobrar direto pro gol. Cobrou bem, buscando o canto esquerdo, mas Bushchan conseguiu chegar a tempo na bola e evitar.

Já aos quarenta e dois, não teve jeito para Bushchan: Isak passou curto na esquerda e Forsberg chutou de fora uma bola que desviou no joelho de Zabarnyi, traindo a expectativa de trajetória da bola e tirando o goleiro da jogada.

Veio o segundo tempo e ambas as equipes se mantiveram dispostas a buscar o gol. Se a Ucrânia tinha em Yarmolenko seu jogador mais lúcido no último terço de campo, a Suécia contava com o talento de Forsberg para romper a última linha de marcadores. E as melhores chances das seleções se deram, não por acaso, em lance envolvendo esses jogadores - e tudo aconteceu em um intervalo de menos de dois minutos. Aos nove, Yarmolenko tinha a bola pelo lado direito e rolou atrás com afeto para Sydorchuk, que descolou bonito chute para carimbar a trave esquerda. Aos dez, Forsberg recebeu de Isak e chutou cruzado, acertando a trave esquerda.

A intensidade se manteve alta até os vinte e três minutos, quando Forsberg carregou pela esquerda, trouxe pra perna direita de chutou cruzado, mandando bonito chute no travessão.

A partir daí, os dois conjuntos deram preferência por atuar de forma mais cautelosa, diminuindo o ritmo na transição ao ataque e quebrando a sequência animadora de oportunidades de gol. Como resultado natural, o placar de um a um foi mantido e o jogo rumou para a prorrogação.

No primeiro tempo da prorrogação, manteve-se o deserto de oportunidades que se verificara na segunda metade do segundo tempo. Infelizmente, ocorreu um lance lamentável aos oito minutos. Daqueles que sequer deveriam existir: o defensor Danielsson, em disputa de bola com Besedin, levantou a perna enquanto aplicava um carrinho e violentamente atingiu o adversário próximo ao joelho, bastante acima da linha da bola. O árbitro italiano Daniele Orsato aplicou o cartão amarelo mas foi chamado a verificar no monitor a possibilidade de expulsão. E assim o fez: cartão vermelho para Danielsson. Para Besedin, também era o fim do jogo, pois a gravidade da agressão o impediu de continuar em campo - fica a torcida para que possa se recuperar o quanto antes.

Curiosamente, esse jogo entre suecos e ucranianos somente foi ter a primeira falta cometida aos vinte e quatro minutos de partida. Ou seja, essa entrada bizarra destoava completamente do próprio clima do jogo. Espero que a UEFA e a FIFA tenham rigor na suspensão ao jogador.

Veio o segundo tempo da prorrogação e a vantagem de jogar com onze contra dez foi se tornando cada vez mais explícita. O ímpeto ucraniano era o de uma equipe que queria tirar proveito do novo contexto do jogo e resolver a situação sem depender da disputa por penalidades. 

Aos cinco minutos, Dovbyk, que substituíra Yarmolenko próximo ao intervalo na prorrogação, recebeu enfiada de bola em posição duvidosa e rematou por cima do travessão. Aos onze, Malinovskyi - outro jogador vindo do banco, tendo entrado no segundo tempo regulamentar no lugar de Shaparenko - pegou sobra de bola e emendou de perna direita, mandando à esquerda.

A Suécia tinha dificuldades de passar do meio de campo e concentrava seus esforços em manter a igualdade no placar para conduzir o confronto à disputa por pênaltis. Um plano que foi frustrado aos quinze minutos: Zinchenko caprichou no cruzamento a partir do lado esquerdo e Dovbyk se projetou no espaço vazio para cabecear conforme orienta o manual de boas práticas do cabeceio. Dois a um Ucrânia, que arrancou uma classificação histórica na Escócia.

Oleksandr Zinchenko vibra muito com a classificação da Ucrânia às quartas: atuando pelo lado esquerdo, o camisa dezessete teve sua melhor atuação nessa Eurocopa, com gol, assistência e muita participação na vitória por 2a1 sobre a Suécia. Imagem extraída de Aire Digital.


terça-feira, 29 de junho de 2021

Grealish Entra Bem, Sterling Brilha Novamente E Kane Desencanta: Inglaterra Vence A Alemanha Em Wembley

O mítico estádio de Wembley recebeu na fase oitavas de final nessa Eurocopa 2020 aquele que pode ser considerado um dos maiores clássicos do futebol mundial. Seleções que, num passado não muito distante, atuavam como se estivessem jogando pinball - haja repetição pra ficar uma partida inteira lançando a bola pra longe à espera do cabeceio perfeito. Só que, felizmente, nesse vinte e nove de junho de dois mil e vinte e um, não era pinball - era, de fato e de direito, futebol o que se jogava no gramado londrino.

Alguns até poderão reclamar que faltaram situações de gol no jogo. É uma crítica justa, mas que não traz a devida profundidade para analisar o que foi a partida. Embora seja verdadeiro que não tenha havido muito mais do que três grandes oportunidades para cada lado, é absolutamente incontestável que ingleses e alemães, sob o comando de Gareth Southgate e Joachim Löw, travaram um dos mais interessantes confrontos táticos nessa edição do torneio. E esse dois treinadores merecem todos os créditos por isso. Enquanto Southgate ainda pode conduzir a Inglaterra ao título continental, Löw fez hoje sua despedida da Euro e também da seleção alemã - deixo aqui registrado que já estou com saudades.

Nesse blógui, elogiei por diversas vezes a Alemanha de Löw. Seguem, a título de ilustração, sete sugestões de leitura: 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Afinal, o número sete traz ótimas recordações aos amantes do futebol arte, mais precisamente por causa de um evento que aconteceu sete anos atrás...

Só que hoje gostaria de falar um pouco mais dessa seleção inglesa.

Se a gente se debruçar sobre a consistência do jogo do English Team, teremos material suficiente para publicar um tutorial de o que fazer e como fazer para dar a uma partida de futebol a cara que se deseja dar a ela. E com um detalhe: tendo sempre a disposição e a organização necessárias para entrar de forma recorrente no campo de defesa do adversário. Porque uma coisa é você se abdicar do jogo e esperar o oponente te atacar. Outra, é fazer o que a Inglaterra faz de forma exemplar: enfrentar uma grande equipe de peito aberto, defesa postada e com bastante movimentação.

Talvez a primeira lição seja a da resistência. Resistir a uma equipe que chegava ao ataque com Kimmich e Gosens pelos flancos, com Havertz centralizado e tendo Werner como referência mais à frente. Claro que a atuação discreta de Müller compromete o jogo coletivo dos comandados de Löw, mas a Alemanha ainda era Alemanha. Aos trinta e um minutos, na primeira situação em que o sistema defensivo inglês não foi capaz de parar o ataque adversário, o goleiro Jordan Pickford agiu muito bem para bloquear Werner após ótimo passe de Havertz, numa jogada de ataque alemão made in England, afinal, eles são companheiros de Chelsea.

De resto, o que se viu foi Walker, Stones e Maguire formando uma trinca intransponível, com Trippier e Shaw reforçando a marcação pelos flancos. Uma formação que, no papel, é excessivamente defensiva. Notadamente pelo fato de que todos esses cinco tratam-se de jogadores fundamentalmente escalados para marcar e fechar espaços. De quebra, há ainda Phillips e Rice logo adiante. Efetivamente dedicados a construir, quebrar linhas, infiltrar e produzir ofensivamente, somente o trio Saka, Sterling e Kane. Mas o futebol não se analisa pelo que está escrito no papel. Ele precisa ser assistido. E, em se tratando de um Inglaterra e Alemanha como esse, apreciado.

No segundo tempo, um chute forte de Havertz logo aos dois minutos obrigou Pickford a fazer a mais bonita defesa de toda a partida. Poderia ser o indício de que a Alemanha chegaria mais forte para a etapa complementar. Poderia, mas não se confirmou. A bem da verdade, os alemães teriam ainda duas boas chances (uma para abrir o placar, com Werner; outra para empatar o jogo, com Müller) e ambas nasceriam de bolas perdidas por Sterling no campo de ataque.

Mas como criticar Sterling num jogo como esse? Entre um erro e outro, aos vinte e nove minutos, foi exatamente o atacante do Manchester City quem iniciou a jogada que abriu o placar em Londres. Aliás, que jogada! Com toques rápidos na bola, Sterling, Kane, Grealish (que entrara no lugar de Saka) e Shaw participaram de um lance que deixou a Alemanha totalmente envolvida pela troca de passes da Inglaterra. Na conclusão da ótima trama ofensiva, Sterling marcou o terceiro gol dele e da Inglaterra na Euro 2020.

Raheem Sterling comemora o gol: jogador vem se destacando com a camisa da Inglaterra nessa Eurocopa 2020. Foto: Andy Rain / POOL / EPA.

 

Fiel à sua forma de jogar, a seleção inglesa nem recuou nem se tornou mais incisiva. Ela simplesmente, movimento a movimento, observando o comportamento dos jogadores alemães, foi procurando brechas para conseguir chegar ao segundo gol. Aos quarenta minutos, a tal da brecha se tornou uma porta aberta quando Shaw recuperou a posse de bola na altura do meio do campo, avançou, abriu na esquerda com Grealish e o camisa sete, que entrou muito bem no jogo, cruzou à meia altura para Kane. O centroavante, acostumado a marcar gols com a camisa do Tottenham mas sem ter anotado nenhuma vez nessa Eurocopa, poderia bater de voleio - coisa que, por sinal, ele sabe fazer. Mas preferiu usar a cabeça: numa fração de segundo, movimentou o corpo se inclinando na angulação necessária e cabeceando para o chão, marcando dois a zero no jogo e saindo da seca de gols na competição.

Momento exato em que Harry Kane fica duas toneladas mais leve. Foto: Reuters.

 

A Alemanha era toda ataque. E quando digo toda, estou incluindo o goleiro Neuer, que atuava praticamente na linha que divide o gramado. A melhor chance da equipe - diria, inclusive, que a única digna de nota após o prejuízo de dois gols no placar - foi aos quarenta e cinco, numa puxada de Goretzka que Havertz não conseguiu alcançar.

Há que se respeitar o trabalho tático de Southgate na seleção inglesa. A forma como conseguiu conter a Alemanha é reveladora. É possivelmente o time melhor estruturado para inibir o potencial criativo do oponente sem deixar de fazer a transição ao ataque com qualidade. A Inglaterra marca forte e de forma compacta, diminui espaços, dá combate e apresenta bom volume de jogo com a posse de bola. Há formas de fazer essa equipe jogar melhor? Sem a menor dúvida, há. Gostaria de ver, por exemplo, Foden, Grealish, Saka, Kane e Sterling juntos entre os titulares. Isso sem falar em Sancho, jogador bastante querido pelo torcedor e que raramente é aproveitado. Mas, ainda assim, gosto da forma altamente organizada que a equipe atua. Não me enche os olhos como uma Alemanha de Löw, mas é possivelmente a Inglaterra taticamente mais consistente na proposição de jogo que já tive a oportunidade de acompanhar. É fortíssima candidata a levantar o caneco em Wembley. Espero que, se isso acontecer, que seja aproveitando seus jogadores mais talentosos.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Era Uma Vez, Um Jogo Para A História: Suíça Elimina A França Em Partida Emocionante

França e Suíça fizeram um jogo para ficar guardado na memória. Hoje, vinte e oito de junho de dois mil e vinte e um, digito as presentes palavras torcendo para que, ao lê-las num futuro qualquer, possa conseguir trazer de volta as imagens dessa partida. 

O futebol é um jogo com início, meio e fim. Apesar dessa inevitável finitude, tudo o que acontece entre o apito inicial e o derradeiro não se repete jamais. E esse confronto válido pela fase oitavas de final na Eurocopa 2020, com toda a sua singularidade, remete ao que existe de melhor nessa modalidade esportiva.

Remete, logo de cara, à máxima de que o jogo é jogado, isto é, que ninguém ganha de véspera. Remete, também, ao pensamento de que a melhor defesa é o ataque. E como é gostoso digitar uma frase dessa! A melhor defesa é o ataque.  Tanto franceses quanto suíços saborearam, em Bucareste, essa realidade.

Foi precisamente quando a França mais se lançou ao ataque, que conseguiu os seus três gols na partida. E poderiam ter sido mais! Com o relógio ainda mais apertado do que quando a França alcançou seus gols, a Suíça se mandou para o campo ofensivo e conseguiu buscar um empate que parecia improvável.

Ah, o improvável! Que bacana que essa palavra existe! O mundo estaria condenado à tristeza se improvável e impossível fossem uma coisa só! A probabilidade nos salva da certeza. E, na dúvida, há um universo de possibilidades. O jogo tinha infinitas possibilidades de ser diferente. Sorte que não foi!

O jogo de hoje, que foi exatamente como tinha que ser, premiou os amantes do futebol com uma bênção em forma de partida eliminatória. Para êxtase geral, com direito à prorrogação. E, de bônus, pênaltis, para aumentar a dose de emoção. Me permitam outra máxima: o futebol é a maior invenção do homem.

Então, peço licença para contar abaixo uma rápida história, baseada em fatos reais.

Capítulo 1: a Suíça abre o placar

Quando Haris Seferović recebeu ótimo cruzamento de Steven Zuber, tanto um quanto outro estavam no exercício pleno de suas funções. Zuber, que atua pelo flanco esquerdo e é bastante participativo no jogo, cruzou uma bola que podemos chamar de passe. Mais caprichado que isso, somente se estivesse embrulhado para presente.

Mas não precisava estar. Para Seferović, toda encomenda que chega é recebida com carinho. E essa, entregue com tanto zelo, não poderia ser diferente. O camisa nove honrou a tradição do número que carrega no uniforme e, cheio de oportunismo, cabeceou no canto direito, para goleiro nenhum interceptar - nem mesmo um Hugo Lloris. 

E aqui, no primeiro capítulo dessa breve história, eu me recuso a culpar Clement Lenglet no lance. Quero, em verdade, é te agradecer, Lenglet. Graças ao fato de Seferović ter se posicionado melhor do que você, o jogo foi do jeito que foi. E o jogo ter sido do jeito que foi, passava necessariamente por esse gol de Seferović para abrir a contagem aos catorze minutos no primeiro tempo.

Capítulo 2: a França tem pelo menos quatro chances antes do intervalo, e nada

Antes de mais nada, não pense você que o fato de a França ter tido pelo menos quatro oportunidades de gol, que apenas ela atacou. Não mesmo. É que ela, fundamentalmente pela qualidade de seus jogadores postados mais à frente, conseguiu desencadear situações mais interessantes. 

Dito isto, vamos agora falar sobre uma parceria iniciada anos atrás no Paris Saint-Germain: Kylian Mbappé tocou para seu antigo companheiro Adrien Rabiot. Rabiot se mudou para Turim, onde defende a Juventus. Mbappé seguiu em Paris, com as cores do PSG. Mas parece que não esqueceram os tempos juntos de outrora.

O tal toque de Mbappé para Rabiot teve sequência com um cruzamento para a área. Só que Karim Benzema, que não mora atualmente nem em Paris, nem em Turim, mas em Madrid, foi mais rápido que a bola, e o cobiçado objeto esférico passou nas suas costas.

Aos vinte e cinco minutos, havia uma falta para a França bater. E Mbappé, naquele momento, não queria saber nem de Rabiot nem de Benzema. Queria chutar pro gol. E chutou. Mas, no meio do caminho havia uma barreira de jogadores suíços. A bola voltou. Voltou no próprio Mbappé. Na fome por marcar seu primeiro gol nessa Eurocopa, Mbappé chutou do jeito que a bola veio. E chutou forte, como se tivesse pressa de ver a redonda no fundo da rede. Mas a pressa, inimiga de longa data da perfeição, direcionou a bola para longe, à esquerda.

Dois minutos depois, talvez Rabiot tenha pensado: "se meu companheiro pode tentar, eu também posso". Ou seja, Rabiot resolveu chutar pro gol. E, a exemplo de Mbappé, resolveu chutar forte pro gol. E a bola... a exemplo do lance anterior, resolveu ir novamente para fora e à esquerda. 

A Suíça, então, pediu licença para colocar seu nome nesse capítulo de chances criadas no primeiro tempo. Licença concedida. Em lance de bola parada, Xherdan Shaqiri preferiu priorizar o coletivo. Levantou na área. Mas, o coletivo não ajudou Shaqiri, com a bola passando a alguns centímetros de Manuel Akanji e também de Breel-Donald Embolo. 

Vida que segue, vamos ao segundo tempo. Ou melhor, aos próximos capítulos.

Capítulo 3: quando o prêmio se torna castigo

No intervalo, Didier Deschamps mexeu de forma estrutural na seleção francesa. Ele resolveu trocar o defensor Lenglet - aquele mesmo ao qual agradeci pelo cabeceio de Seferović - e colocar em seu lugar o habilidoso e insinuante Kingsley Coman. Entendem por que devemos agradecer ao Lenglet? Vocês acham que, se o defensor tivesse conseguido impedir o perfeito cabeceio de Seferović naquele momento do gol, o Deschamps faria uma subsituição ousada como essa? Jamais! Ou, como diriam os franceses: jamé, mané! Portanto, merci, Lenglet. A vitória suíça começava a dar bons frutos.

Nesse momento, pode surgir a pergunta: por que causa, motivo, razão ou circunstância, o indivíduo nomeou esse capítulo "quando o prêmio se torna castigo"? Calma, que você vai ver. Fica comigo.

Um chute de Antoine Griezmann de fora da área, à esquerda, poderia passar a impressão de que a França teria um início de segundo tempo demolidor. Ledo engano. A Suíça, mesmo vencendo, queria mais. E esse querer mais proporcionou jogadas interessantes. Por exemplo: aos quatro minutos, Silvan Widmer passou para Embolo, que cruzou rasteiro mas a bola não chegou em nenhum companheiro. Era a Suíça marcando presença na área francesa. Aos seis, lá estava a Suíça novamente marcando presença na área francesa. E, dessa vez, bateu o desespero em Benjamin Pavard quando Zuber arrancava em velocidade. O árbitro não marcou, mas o VAR o intimou à revisão. E, voilá!, pênalti para a Suíça!

Nesse momento, vocês entenderão o prêmio que virou castigo. Os suíços tinham chance preciosa para abrir dois a zero na cobrança de Ricardo Rodríguez. Só que, entre a bola na marca do pênalti e a rede, havia um Lloris. E, saltando para o lado direito, Lloris defendeu a cobrança. Era simplesmente o sétimo pênalti perdido em treze cobrados nessa Eurocopa. Ou seja, a vida difícil do goleiro era a dificílima do batedor. 

E o prêmio virou castigo...

A França cresceu no jogo de forma avassaladora. Como se o quase segundo gol suíço, salvo por Lloris, despertasse um instinto de auto preservação. De defender a própria pele de uma eliminação. E, qual a melhor forma de se defender? Acertou: atacar.

Aos dez minutos, Coman rolou para Pogba, que entregou para Mbappé. Mbappé pegou de primeira, cruzado, mandando perto da trave esquerda.

No minuto seguinte, numa jogada rápida envolvendo N`Golo Kanté (que recuperou a bola no campo de ataque), Griezmann e Mbappé, dessa vez o camisa dez abriu mão de chutar e fez algo mais inteligente: tocou para Benzema. Em seu habitat natural, Benzema foi hábil para puxar a bola e finalizar de forma inapelável. Estava empatada a partida em solo romeno. E o castigo para a Suíça não pararia por aí...

Capítulo 4: a França em sua melhor versão

Embalada no seu próprio êxito, a seleção francesa tratou de transformar o empate em virada dois minutos depois: numa belíssima combinação de troca de passes, Paul Pogba deu para Coman, que entregou para Griezmann, que tabelou com Mbappé e cruzou para Benzema, que só teve o trabalho de conferir de cabeça. Bendito seja o esporte que proporciona jogadas como essa! Que golaço!

A Suíça tentou reagir à repentina virada e, aos vinte minutos, teve boa chance em lance de bola parada: Shaqiri levantou, Widmer e Seferović surgiram no espaço vazio fechando na segunda trave, mas nenhum dos dois conseguiu completar para o gol. Ah, a bola parada... Lembranças do pênalti perdido, né, Suíça?

Com bola rolando, a França era soberana. Aos vinte e dois minutos, Pogba buscou Mbappé, mas o goleiro Yann Sommer chegou antes. No minuto seguinte, Sommer tomou um susto quando Widmer fez um recuo estranhíssimo - será que ele quis mesmo recuar? - e a bola saiu em escanteio, à esquerda. 

Aos vinte e oito minutos, Coman arriscou de fora da área e Sommer, sem correr riscos, pegou.

No minuto seguinte, um chute esplendoroso de Pogba aumentou a vantagem francesa. Que batida na bola! Que precisão! A bola viajou para adormecer no ângulo esquerdo. Sabe quando tudo no lance é bonito? A forma como chutou. A trajetória. O local onde entrou. Até o salto de Sommer se esticando todo para tentar defender o indefensável embelezou o que já era belo. A cereja no bolo de uma atuação magistral de Pogba. Três a um no placar.

Mas vamos com calma porque essa história ainda está longe de terminar...

Capítulo 5: Suíça, como você consegue ser tão linda?

Pouco antes de ter sofrido o terceiro gol, o técnico bósnio Vladimir Petković tinha realizado suas duas primeiras substituições no jogo, colocando Mario Gavranović e Melingo Kevin Mbabu nos lugares de Shaqiri e Widmer. É bem verdade que a França teve nova chance aos trinta e um, quando Coman recebeu de Benzema pela esquerda, chutou de fora e Sommer segurou. Mas, tirando isso, a Suíça passou a exercer uma preponderância nas ações ofensivas. 

Tal preponderância se transformaria em domínio flagrante após as duas substituições seguintes: saíram Zuber e Embolo para as entradas de Christian Fassnacht e Ruben Vargas.

Apenas um minuto depois dessas trocas, a Suíça chegaria ao segundo gol: Mbabu cruzou e, ele, ele mesmo, o próprio, o camisa nove, Seferović, marcou novamente de cabeça. Dessa vez, sem nenhum Lenglet para que eu possa agradecer, o centroavante levou a melhor sobre Raphaël Varane. Não adianta, pode colocar quem for para acompanhar, Seferović é soberano naquele pedaço de campo.

A Suíça queria mais. A Suíça precisava de mais. E, nessa busca, nesse ímpeto, a Suíça foi demais!

Aos trinta e nove minutos, Granit Xhaka rolou na esquerda, Rodríguez chutou rasteiro, Gavranović interceptou já fazendo o domínio e chutando na esquerda. Seria o empate, não fosse o impedimento.

Na marca de quarenta e quatro minutos, nada nem ninguém impediria a igualdade no placar: na base da raça, Admir Mehmedi (que entrara minutos antes no lugar de Rodríguez) desarmou Pogba no meio de campo e Xhaka, com ótimo passe, serviu Gavranović, que chutou rasteiro, firme, no cantinho. Um momento enlouquecedor!

Pouco antes de ceder o empate, Deschamps tinha trocado Griezmann por Moussa Sissoko. E o próprio Sissoko tratou de fazer jogadaça pela direita: cheio de ginga diante do marcador, ele trouxe pro fundo, fez o levantamento e serviu Coman, que dominou no peito e chutou cruzado, com estilo e com curva, mandando no travessão. Seria um gol belíssimo aos quarenta e sete minutos do segundo tempo. Mas os deuses do futebol tinham outros planos. Eles queriam é mais jogo. Então, vamos à prorrogação...

Capítulo 6: França insiste, Suíça resiste

Se o título desse capítulo trocasse o nome da França pelo nome do Coman, o resultado seria praticamente o mesmo. Fato é que Coman protagonizou a maioria dos principais lances de perigo em toda a prorrogação.

Com quatro minutos, foi ele, Coman, quem cruzou da esquerda. Pavard chutou e Sommer foi espetacular ao levar ao mão direita até a bola e desviá-la do rumo do gol.

A Suíça, em resposta aos seis minutos, teve boa chegada com Mbabu pela direita, mas o cruzamento rasteiro foi cortado por Varane na pequena área.

Aos sete minutos, foi novamente ele, Coman que avançou pelo lado esquerdo e chutou na rede pelo lado de fora.

Veio o segundo tempo da prorrogação. E ganha um pão francês quem adivinhar o jogador que construiu a jogada finalizada por Mbappé à esquerda do gol. Pois é: Coman, sempre pelo lado esquerdo.

No minuto seguinte, mais Coman: dessa vez ele passou para Pogba, que enfiou para Mbappé, que chutou na face externa da rede.

Era a última participação de Coman, que, provavelmente com alguma questão física, dava lugar a Marcus Thuram. Seja com Coman, seja com Thuram, a França escolheu o flanco esquerdo: aos oito Pogba lançou Thuram por aquele lado do campo e o camisa vinte e seis rolou para o meio da área. Olivier Giroud - que entrara no lugar de Benzema no primeiro tempo na prorrogação - teve seu chute desviado no próprio companheiro Mbappé, saindo pela linha de fundo.

Ainda houve tempo para, aos treze, Giroud levar a melhor no jogo aéreo diante de Fabian Schär (que substituíra Seferović). Acontece que Sommer estava ali e fez linda defesa no canto direito para evitar o quarto gol francês num momento delicadíssimo da partida.

Vamos, finalmente, ao último capítulo de um desfecho emocionante

Capítulo 7: muito prazer, Mbappé, me chamo Sommer

Se nos pênaltis cobrados nessa Eurocopa o índice de aproveitamento dos batedores estava abaixo de 50%, na disputa de penalidades máximas entre França e Suíça o que se viu foi um excelente nível na realização das cobranças.

Primeiro, Gavranović cobrou forte e no alto. Um a zero Suíça.
Depois, Pogba empatou também cobrando com força e ainda mais no alto, beirando o ângulo direito. Um a um.
Schär foi o primeiro a escolher o canto esquerdo do goleiro. Dois a um Suíça.
Giroud seguiu o mesmo caminho. Dois a dois.
Na cobrança de Akanji, Lloris resolveu esperar. E o chute rasteiro no canto direito ficou fora de alcance. Três a dois Suíça.
Thuram cobrou firme no canto direito e Sommer acertou o canto, mas não alcançou a bola. Três a três.
Lloris optou novamente por aguardar. Vargas bateu no canto direito. Lloris chegou a tocar na bola, mas sem evitar que entrasse. Quatro a três Suíça.
Acertar o canto da cobrança virou rotina para Sommer, que voou para o lado esquerdo. Só que Kimpembe chutou muito bem e converteu. Quatro a quatro.
Na cobrança de Mehmedi, Lloris escolheu o lado direito e a bola estufou a rede no lado esquerdo. Cinco a quatro Suíça.
Era a vez de Mbappé. Maior craque dessa geração francesa. Uma das maiores promessas (leia-se realidade) no futebol mundial. Chute firme, buscando o canto direito. Mas, dessa vez, o voo de Sommer alcançaria a bola. Para aumentar a dramaticidade, a arbitragem orientou que esperasse a verificação do lance por possível "andada" do goleiro. Ora! Sommer não anda! Sommer voa! E, para a Suíça, o céu é o limite.

Yann Sommer voa e defende a cobrança de Kylian Mbappé: Suíça triunfa nos pênaltis em partida antológica com a França. Foto: Franck Fife / Reuters.


Em Jogo Intenso E De Oito Gols, Espanha Supera A Croácia Na Prorrogação

Em sua primeira partida fora do território espanhol nessa Eurocopa 2020 (na primeira fase atuou sempre em Sevilla), a Espanha foi a Copenhagen e conseguiu a classificação à fase quartas de final após um jogão de bola com a atual vice-campeã mundial, a Croácia. Apesar de terem aberto três gols a um no tempo regulamentar, os espanhóis não suportaram a pressão croata, cederam o empate, tomaram sustos, mas acabaram conseguindo triunfar na prorrogação diante de um valente oponente.

Espanha, como sempre, toma a iniciativa - mas lance bizarro coloca a Croácia em vantagem 

Surpreendendo um total de nenhuma pessoa que acompanha a Eurocopa (ou o futebol internacional de dois mil e dez para cá), a Espanha começou o jogo fazendo o que melhor faz: controlando a posse de bola para chegar, via troca de passes, ao ataque.

Aos doze minutos, Álvaro Morata recebeu na área, rolou atrás e Pablo Sarabia chutou à direita. Aos quinze, Pedri deu ótima enfiada de bola para Koke, que praticamente da marca do pênalti chutou para grande defesa do goleiro Dominik Livaković. Na marca de dezoito, Ferran Torres cruzou pela direita, Morata cabeceou e a bola foi amortecida em Domagoj Vida antes de ficar com o goleiro Livaković.

No minuto seguinte, a posse de bola era, adivinhe só, espanhola. Pedri, que nessa Euro tem se destacado pela sua visão de jogo e verticalidade nos passes no último terço de campo, dessa vez recuou para o goleiro Unai Simón. E, para infelicidade de ambos, uma falha na tentativa de dominar com o pé direito permitiu que a bola tomasse o rumo da própria rede. Um a zero Croácia, que até aquele momento - e por todo o primeiro tempo - sequer tinha conseguido dar um chute na direção do gol. Ironicamente, a posse de bola espanhola fez o trabalho por si. Era o nono gol contra nessa edição da Eurocopa, incrivelmente igualando a mesma marca de gols contra em toda a história anterior do torneio que completou sessenta anos.

Mantendo o estilo de jogo inabalável, espanhóis chegam ao empate ainda no primeiro tempo

A Croácia até chegou duas vezes com algum perigo na tentativa de ampliar a vantagem, mas os chutes de Nikola Vlašić, aos vinte e três, e de Mateo Kovačić, aos vinte e cinco minutos, foram para fora.

Aos trinta e seis, José Gayà chutou de fora da área após escanteio pelo lado direito de ataque espanhol, a bola desviou em seu companheiro César Azpilicueta e passou à direita. No minuto seguinte, o empate: em momento de intensa pressão na área croata, com direito a bate-rebate, Gayà chutou cruzado com força, Livaković rebateu e Sarabia chutou à meia-altura, com a bola ainda batendo na cabeça de Livaković antes de entrar. Um a um no placar.

Ainda houve uma última chance para cada lado antes do intervalo. Aos quarenta e quatro, Ante Rebić foi lançado mas teve seus planos frustrados por Unai Simón, que saiu da área para afastar o perigo. Aos quarenta e cinco, foi a vez de Morata fazer o que mais vinha fazendo nessa Euro 2020: chutar para fora. Quase uma redundância em se tratando do camisa sete espanhol...

Segundo tempo agitado tem quatro gols e muita objetividade de ambos os lados

Aos onze minutos, a Espanha chegou à virada: Pedri recuou para o goleiro abriu na esquerda com Ferran Torres, que fez o cruzamento e encontrou Azpilicueta, cabeceando firme na pequena área, sem dar chance para Livaković.

A Croácia, atrás no placar pela primeira vez no jogo, reagiu. Teve uma chance aos vinte minutos, mas o chute de Rebić saiu fraco e Unai segurou sem maiores transtornos. Aos vinte e um, Luka Modrić conduziu pela esquerda e passou para Joško Gvardiol, que parou em grande defesa de Unai. Dois minutos depois, Unai Simón realizaria defesaça novamente cara a cara, mas dessa vez havia sido indicado impedimento no ataque croata.

Com vinte e nove minutos, quem tomou um susto em recuo de bola para o próprio goleiro foi a torcida croata. Mas Livaković se recuperou rapidamente do vacilo e manteve a posse consigo.

Se a Espanha tem como principal característica a troca de passes para, metro a metro, avançar até o momento oportuno de finalizar, aos trinta e um minutos a equipe fez a transição de forma rara: com um lançamento longo a partir do campo de defesa em lance de bola parada, Pau Torres foi preciso na inversão de jogo para o lado esquerdo, encontrando Ferran Torres. Ele escapou da marcação de Gvardiol e chutou rasteiro para marcar o terceiro gol espanhol no jogo.

Com dois gols atrás, os croatas não apenas se lançaram ao ataque: o treinador Zlatko Dalić promoveu substituições que tornaram o time mais ofensivo e, talvez mais importante, aproximou o craque Modrić dos atacantes - o poder que isso tem na dinâmica e capacidade criativa da Croácia é difícil de mensurar. Aos trinta e nove minutos, em jogada de bate-rebate, Modrić, próximo à linha de fundo na pequena área, esbanjou frieza e precisão ao passar redondinho atrás para Ante Budimir - o chute do camisa catorze croata bateu em Azpilicueta e voltou para Mislav Oršić, que chutou e a bola atravessou a linha final por alguns centímetros até bater no goleiro Unai Simón. Gol validado com auxílio tecnológico.

Apenas um gol atrás, a Croácia não teve dúvidas e se manteve no ataque. Aos quarenta e seis, foi premiada: Oršić efetuou cruzamento excepcional a partir da esquerda e encontrou Mario Pašalić gozando liberdade em plena pequena área espanhola. Com um cabeceio certeiro, cruzado, pro chão, ele mandou a bola no canto esquerdo e empatou a partida.

Ritmo é intenso também na prorrogação e Espanha consegue dois gols já no primeiro tempo

Aos quatro minutos, Mikel Oyarzabal cruzou da linha de fundo pelo lado direito buscando Morata, mas Livaković segurou. No minuto seguinte, uma resposta contundente croata: após cruzamento da linha de fundo pelo lado esquerdo, a bola permaneceu viva na zona de perigo e chegou em Andrej Kramarić que, praticamente da risca da pequena área, finalizou à meia altura e viu Unai Simón realizar uma defesa sensacional ao esticar o braço esquerdo.

Aos seis minutos, Daniel Olmo Carvajal teve uma grande oportunidade, chutou, e a bola foi bloqueada no calcanhar de Vida. Na marca de nove minutos, a Espanha desempatou a partida: Daniel Olmo cruzou da direita e encontrou Morata nas costas de Josip Brekalo. Dessa vez, Morata esbanjou oportunismo ao dominar com a perna direita e chutar forte com a esquerda. Com o perdão da cornetada, mas... nem parecia o Morata. Quatro a três Espanha.

Álvaro Morata comemora: com belo chute no alto, a Espanha desempatava a partida na prorrogação. Imagem extraída de Ecuador Comunicación.

 

Aos doze minutos, Kramarić tentou com chute rasteiro, mas Unai Simón defendeu. E, no mesmo minuto, a Espanha explodiu de alegria: em nova jogada de Dani Olmo pelo lado direito de ataque, dessa vez o camisa dezenove optou por cruzar rasteiro. E a bola chegou até Oyarzabal, que chutou de esquerda e, mesmo com Livaković desviando, o rumo da redonda foi o fundo da rede. Cinco a três.

Espanha administra a posse de bola e Croácia sucumbe

Logo no primeiro minuto, a Croácia chegou bem quando Budimir ficou cara a cara com o goleiro, chutou colocado e Unai desviou sutilmente para fora. Tão sutilmente que a arbitragem ignorou o escanteio, dando a posse para a Espanha.

Tendo dois gols de vantagem e meio time cansado pela correria em quase duas horas de jogo, a estratégia espanhola de administrar a posse de bola foi usada de uma maneira mais burocrática, visando deixar o tempo passar e cansar os croatas, que àquela altura moviam as pernas a partir do coração.

O legal de ver essa postura momentânea da Espanha é que isso, sim, é jogo sem objetividade. É toque pelo toque. Todo o resto da Espanha nessa Eurocopa foi marcado por trocas de passe, sim, mas com notável intenção de transformar o domínio em oportunidade, a oportunidade em finalização, a finalização em gol. Esse segundo tempo de prorrogação na fase oitavas de final serviu para traçar o contraste.

Mesmo com um jogo propositalmente cadenciado e concentrado mais em ter a bola do que o ataque, a Espanha é tão competente na troca de passes que novas oportunidades apareceram com relativa naturalidade. Quase como se fosse um "modo automático".

Aos dez minutos, Morata recebeu pela esquerda seguido da marcação de Duje Ćaleta-Car, chutou e Livaković desviou à direita. Aos catorze, Olmo chutou cruzado e acertou a trave direita. Aos quinze, um Morata sendo Morata (foi minha última cornetada nessa postagem, prometo), recebeu pela esquerda acompanhado da marcação de Vida e... chutou na rede... pelo lado de fora.

A Espanha avança e impõe respeito com os dez gols marcados nos últimos dois jogos. Para desespero dos críticos que praguejavam após o zero a zero na estreia, mesmo com tantas oportunidades criadas pela seleção de Luís Enrique também naquele jogo.

Em Jogo Abaixo Das Expectativas, Gol De Thorgan Hazard Classifica A Bélgica E Elimina Portugal

Com a definição dos cruzamentos de oitavas de final nessa Eurocopa 2020, um do encontros que mais chamou atenção nesta fase foi o que reuniria Bélgica e Portugal. Duas seleções de grande qualidade técnica. Portugal, atual campeão da Euro. Bélgica, terceira colocada no Mundial. Só poderia dar um jogão de bola, certo?

A resposta veio nesse domingo e foi um seco "não". Chega a ser inacreditável pensar que ao longo dos mais de noventa minutos de jogo, somente um chute da Bélgica foi na direção do gol. Curiosamente, a bola entrou: aos quarenta e um minutos no primeiro tempo de partida, numa jogada iniciada com o goleiro Courtois driblando na própria área (vida louca, como diria o poeta Cazuza), a conclusão ficou por conta de um belíssimo chute de Thorgan Hazard a oitenta e nove quilômetros horários (Meunier fez a assistência que encontrou o irmão de Eden em relativa liberdade).

Fora isso, foi possível enumerar duas finalizações belgas para fora no primeiro tempo e outras duas na etapa complementar. Pouco, muito pouco, tecnicamente nada para uma seleção como essa da Bélgica.

Portugal, por sua vez, se mostrou uma seleção que estava tranquila com o zero a zero - não me incomode que não te incomodarei. Mas, no segundo tempo, vendo o placar adverso e o avanço dos ponteiros do relógio, criou coragem (leia-se vergonha). E teve pelo menos três oportunidades de empatar o jogo nos últimos quinze minutos de partida. Aos trinta e seis, Courtois salvou após cabeceio de Rúben Dias em lance de escanteio. No minuto seguinte, Raphael Guerreiro carimbou a trave esquerda em chute de primeira, na entrada da área. Aos quarenta e dois, após bola levantada, Cristiano Ronaldo resvalou de cabeça na intenção de deixar André Silva em condição de concluir, mas Courtois levou a melhor na dividida. Também foi pouco pelo que dispunha em campo a seleção portuguesa. Mas um pouco que pareceu muito se comparado com a quase inoperância belga.

A Bélgica terá pela frente a Itália na fase quartas de final. Não é prudente antecipar que será um jogão de bola. Mas espero que, no mínimo, seja mais interessante do que foi essa partida diante de Portugal. O futebol merece. E a seleção de Roberto Martínez pode, sim, oferecer mais. Como inclusive já ofereceu anteriormente.

Sobre a eliminação de Portugal, um detalhe estatístico levantado pelo jornalista Leonardo Bertozzi: 

Neste século, só a Espanha de 2012 entrou numa Euro como campeã e conseguiu vencer um jogo nos mata-matas. França, em 2004, Espanha, em 2016, e Portugal, em 2020, perderam sem fazer gol. A Grécia não passou do grupo em 2008. 

Espero que o treinador Fernando Santos não apele para esses dados e reconheça que a seleção por ele comandada simplesmente não mostrou um futebol convincente - como também não mostrara em 2016, quando sagrou-se campeã continental. 

Belgas celebram a vitória por um a zero sobre Portugal enquanto Cristiano Ronaldo, maior goleador na história do torneio, lamenta a eliminação nas oitavas da Eurocopa 2020. Foto: Lluis Gene / AP.

domingo, 27 de junho de 2021

República Tcheca Tira Proveito De Expulsão, Vence A Holanda E Se Classifica

A República Tcheca, que se classificou em terceiro lugar na sua chave (com uma vitória na estreia, um empate no segundo jogo e uma derrota no fechamento da chave D) surpreendeu a Holanda, que teve cem por cento de aproveitamento na fase de grupos. Com gols de Holeš e Schick, a equipe soube tirar proveito da vantagem numérica conquistada a partir da expulsão de De Ligt e vai às quartas de final na Eurocopa 2020.

Holanda tem ótimo início e flerta com o gol

Logo no primeiro minuto de partida, aquela Holanda que apresentou um ótimo futebol na primeira fase quando se apresentava em Amsterdã, mostrou sua cara em Budapeste: em lance pela esquerda, Memphis passou para Donyell Malen na infiltração e o cruzamento rasteiro quase encontrou Denzel Dumfries. 

Aos dez minutos, a Holanda chegou novamente, dessa vez pelo flanco direito. Mas Pavel Kadeřábek agiu bem ao cortar a bola e o barato na trama entre Memphis e Dumfries.

Por sinal, como é interessante esse ala direito Dumfries! Um jogador que se apresenta frequentemente no campo de ataque e que, como se não bastasse suas importantes aparições como ponta, também se movimenta mais centralizado e até eventualmente caindo um pouco para a esquerda, o que possibilita causar uma confusão generalizada no sistema de marcação tcheco. Foi exatamente isso que ocorreu aos doze minutos: Dumfries recebeu em velocidade infiltrando do centro para a esquerda, escapou do goleiro Tomáš Vaclík mas teve sua tentativa de cruzamento travada por Tomáš Kalas.

República Tcheca diminui os espaços e equilibra o jogo

Após o convincente início de jogo holandês, que reuniu presença no campo de ataque com movimentação, troca de posições, infiltrações e muita intensidade, a República Tcheca conseguiu encontrar uma forma de diminuir os espaços. A equipe se recusava a subir ao último terço de campo quando a Holanda tinha a bola, aumentando a compactação entre as linhas. Quando tinham a bola, os tchecos mostraram que poderiam criar situações interessantes - se não com a mesma desenvoltura do oponente, mas pelo menos com uma presença no ataque a ser levada em consideração.

Aos vinte e um minutos, Vladimír Coufal cruzou da direita e Tomáš Souček desviou com estilo, de peixinho, num mergulho que mandou a bola à direita da meta. Aos vinte e sete, o goleador Patrik Schick chutou de fora da área e Maarten Stekelenburg defendeu na direita.

A Holanda respondeu aos trinta: Malen trocou passe com Dumfries, chutou e Ondřej Čelůstka bloqueou.

Aos trinta e sete, uma das maiores chances no primeiro tempo aconteceu no ataque tcheco: Lukáš Masopust deu ótimo passe para Antonín Barák, que finalizou firme, praticamente de frente com o goleiro, mas viu seu remate ser interceptado em carrinho providencial de Matthijs De Ligt.

No minuto seguinte, uma ótima resposta holandesa: Dumfries se apresentou novamente pela ponta direita, chegou à linha de fundo e cruzou - o goleiro Vaclík salvou com o joelho esquerdo uma bola que rumava para o centro da pequena área, com endereço de entrega para Malen.

Laranja cria chances, mas é castigada por "amarelo que virou vermelho"

No segundo tempo de jogo, a Holanda voltou com atitude similar àquela do início de partida. Aos quatro minutos, Dumfries foi acionado rapidamente em contra-ataque de ligação direta, chegou na bola, avançou e cruzou para Malen. Se Malen tivesse corrido em linha reta ou, preferencialmente, abrisse um pouco para esquerda, teria condições favoráveis para finalizar. Mas ao se deslocar para a direita, perdeu completamente o tempo do lance e não foi capaz de alcançar a bola.

Dois minutos depois, aos seis, Malen teve outra preciosa oportunidade no ataque: ele avançou com a bola dominada, tinha somente o goleiro Vaclík pela frente e, no embalo da arrancada, tentou driblar com um corte para a direita. Mas Vaclík foi esperto e ligeiro para tocar na bola e ainda evitar a sobra que ficaria com Memphis.

O futebol, às vezes, é cruel com equipes que atacam, produzem, finalizam mas não aproveitam. Aos oito minutos, o jogo mudaria de uma forma que a Holanda não planejava: De Ligt escorregou em lance com Schick e, evitando que o camisa dez ficasse cara a cara com Stekelenburg,colocou a mão na bola. O árbitro indicou a infração e puniu o zagueiro com um cartão amarelo. Mas a arbitragem que gerenciava o recurso tecnológico chamou o russo Sergey Karasev para checar o monitor. Assistindo a repetição do lance, não teve como não ver que era efetivamente uma chance de gol. E Karasev expulsou De Ligt.

Aproveitando vantagem numérica, tchecos abrem o placar 

Frank De Boer optou por trocar um atacante por outro, tirando Malen e colocando Quincy Anton Promes. Tudo bem que Malen já não fazia por merecer seu lugar no campo, mas o gargalo holandês passava a ser o setor defensivo, desfalcado de um zagueiro após a expulsão de seu camisa três. E a República Tcheca soube explorar essa deficiência.

Aos dezoito minutos, Kadeřábek avançou pela esquerda, levantou a cabeça, chutou cruzado e Dumfries colocou a perna esquerda numa bola que tinha o endereço do gol. 

Aos vinte e dois, saiu o gol tcheco: em bola levantada após cobrança de falta pela direita (quase na marca do escanteio), a redonda viajou até o flanco oposto em plena pequena área, Stekelenburg não interveio, Kalas cabeceou pro meio da confusão e Tomáš Holeš, aproveitando o goleiro fora de posição, cabeceou para a rede. Um a zero para a República Tcheca na capital da Hungria. 

Autor do primeiro gol, Tomáš Holeš comemora. Imagem extraída de Meia Hora.

 

Lançada ao ataque, defesa holandesa se desguarnece e tchecos marcam o segundo gol

Se com o jogo empatado De Boer trocou um atacante por outro, com a desvantagem no placar a mexida foi ainda mais ousada no cenário de dez contra onze: aos vinte e sete, saiu o volante Marten De Roon, entrou o centroavante Wout Weghorst.

A Holanda não tinha muito o que fazer a não ser se arriscar no ataque. Aos trinta e um, Dumfries subiu novamente, cruzou rasteiro da direita e a bola atravessou a área tcheca. No mesmo minuto, Tomáš Souček chutou de fora e Stekelenburg pegou no canto direito. Era o recado tcheco: vocês atacam, a gente contra-ataca. Aos trinta e dois, foi a vez de Barák servir Masopust, que chutou colocado na esquerda e Stekelenburg segurou.

Na marca de trinta e quatro minutos, o contra-ataque tcheco foi certeiro: Holeš recebeu na esquerda - um setor escancarado com o acúmulo de acontecimentos, incluindo expulsão de De Ligt, saída de De Roon e subidas recorrentes de Dumfries -, arrancou no espaço vazio e tocou para Schick completar para o gol. O quarto dele nessa Eurocopa 2020.

Com uma situação confortável no jogo, os comandados de Jaroslav Šilhavý administraram a vantagem e o tempo no relógio. E quase marcaram o terceiro aos quarenta e três: Adam Hložek, que entrara minutos antes no lugar de Petr Ševčík, passou para Barák, que não conseguiu dominar.

A Holanda se despede da Euro 2020 nas oitavas após ganhar todas as partidas na fase de grupos. A derrota não deve ser encarada como uma tragédia no trabalho tático. Ao contrário. Ela sinaliza o quanto a competitividade atual pune uma equipe em desvantagem numérica. E que, em cenários como esse, às vezes se faz necessário abrir mão de uma ofensividade característica e reposicionar as peças de forma a procurar minimizar os prejuízos. 

A República Tcheca, por sua vez, avança para enfrentar a Dinamarca. A tendência é que a iniciativa do jogo seja dinamarquesa - uma seleção que, a exemplo da holandesa, também apresenta bastante movimentação e posse de bola. Mas o recado está dado: se vacilar, Schick e companhia não costumam perdoar.

Itália Passa Aperto, É Finalmente Vazada, Mas Supera A Valente Áustria Na Prorrogação

Num confronto taticamente interessante, a seleção italiana viveu neste sábado, em Londres, o seu maior desafio nessa Eurocopa: a organizada e propositiva seleção austríaca. O resultado de zero a zero durante os noventa minutos deram o tom da dificuldade que uma equipe impunha à outra. Mas, na prorrogação, a Itália conseguiu a vitória por dois a um - com direito a sufoco no final.

No primeiro tempo, Itália tem as melhores chances, mas pára no goleiro - e na trave

Num jogo onde ambas as equipes procuravam manter a bola na grama e encontrar espaços a partir da posse de bola, ficou evidente que o confronto entre Itália e Áustria seria técnico e, também, tático. E os italianos perceberam que as coisas fluiriam melhor pelo seu lado esquerdo de ataque, que tinha em Leonardo Spinazzola e Lorenzo Insigne duas figuras participativas nas ações ofensivas.

Aos dez minutos, Spinazzola chutou à direita em jogada com Nicolo Barella e Domenico Berardi. Aos treze, Insigne conduziu pela esquerda, chutou e o goleiro Daniel Bachmann defendeu. 

Barella, que apoiava rotineiramente o ataque, apareceu bem aos dezesseis, quando teve sua bonita finalização de trivela defendida pela perna direita de Bachmann. No minuto seguinte, a Áustria teve uma boa situação: Marcel Sabitzer lançou nas costas da defesa e encontrou Marko Arnautovic, que emendou chute firme para surpreender Gianluigi Donnarumma, mas mandou por cima do travessão.

Na marca de trinta e um minutos, o maior "quase gol" da primeira etapa: Ciro Immobile resolveu arriscar de fora da área e o chute colocado carimbou a trave direita alguns centímetros abaixo do encontro com o travessão - Bachmann apenas assistiu.

Aos quarenta e dois, Spinazzola, mesmo marcado por Stefan Lainer e Aleksandar Dragović, chutou de fora com perigo - dessa vez Bachmann não quis saber de apenas assistir e tratou de espalmar uma bola que nem iria no gol, mas talvez o susto naquele anterior tenha motivado o goleiro a saltar além da trave direita.

Áustria volta melhor do intervalo e as oportunidades aparecem

Aos três minutos, Arnautovic estava cercado de italianos no comando de ataque, mas nem por isso se intimidou: ele carregou, escapou de dois marcadores pela esquerda, mas o chute saiu torto. 

Na marca de seis minutos, David Alaba cobrou falta buscando o ângulo esquerdo, mas a bola fez o movimento descendente depois do travessão, passando perto do alvo.

Alaba, virtuoso no apoio e na marcação, foi fundamental aos dez minutos, quando interveio em passe de Insigne buscando Immobile, mandando para escanteio. Aos dezesseis, Sabitzer chutou, a bola desviou em Leonardo Bonucci e saiu à direita, com o quique encobrindo Donnarumma. Após a cobrança de escanteio dali originada, a bola permaneceu viva na área italiana e chegou até Arnautovic, que chutou e Donnarumma defendeu.

Melhor no jogo, a Áustria continuou pressionado e foi à rede aos dezenove: Alaba foi lançado na esquerda, inverteu de cabeça e Arnautovic cabeceou, com a bola dormindo no gol após tocar no travessão. Os austríacos comemoraram, mas tiveram a euforia frustrada pela anulação por impedimento após revisão do lance com apoio tecnológico.

Substituições melhoram a Itália

Após passar maus bocados na partida e ver o adversário dominar as ações, finalmente Roberto Mancini mexeu na Itália. Foram a campo Manuel Locatelli (que vinha fazendo ótima Euro, estranhamente barrado) e Matteo Pessina; saíram Marco Verratti e Barella (que tinha um cartão amarelo). 

Não demorou muito para tanto Locatelli quanto Pessina participarem ativamente de uma jogada de ataque: aos vinte e seis, Pessina recebeu a bola, rolou para Locatelli, e o camisa cinco conseguiu fugir da marcação, chutando à esquerda. No mesmo minuto, Insigne recebeu de Immobile após saída de jogo mal feita pela Áustria e chutou cruzado, à esquerda.

Os comandados de Franco Foda conseguiram rearrumar a marcação e inibiram as chegadas da Azzurra, que somente teria uma última chance aos trinta e sete - mas a tentativa de voleio de Berardi não deu nada certo. O rumo do jogo era mesmo a prorrogação.

Primeiro tempo da prorrogação para os italianos agradecerem a Deus

Tendo realizado quatro alterações no tempo regulamentar (além das duas já mencionadas, entraram Andrea Belotti e Federico Chiesa nos lugares de Immobile e Berardi), a Itália mostrava novo comportamento no setor ofensivo. Já a Áustria havia mexido uma única vez, e por motivos de força maior: no final do tempo regulamentar, Christoph Baumgartner, sem condições de continuar em campo, deu lugar a Alessandro Schöpf.

Aos três minutos, um ensaio do gol italiano: Chiesa recebeu pela direita e chutou para defesa de Bachmann. No minuto seguinte, o gol saiu exatamente em jogada com Chiesa, novamente pelo lado direito de ataque: ele recebeu ótimo passe de Spinazzola, ajeitou com o rosto, cortou a marcação de Konrad Laimer e chutou cruzado. Vinte e cinco anos e doze dias depois de seu pai, Enrico Chiesa, ter marcado diante da República Tcheca, na Euro 1996. Essa se tornou a primeira vez na história da Eurocopa que pai e filho marcaram gol para uma seleção.

Tal pai, tal filho: vinte e cinco anos depois de Enrico, Federeico Chiesa marca gol em Eurocopa e estabelece marca inédita na história da competição. Imagem extraída de Guatemala Times.

 

Na marca de catorze minutos, quase saiu o primeiro gol de falta nessa edição: Insigne cobrou bem e o goleiro Bachmann foi melhor ainda, indo espalmar próximo ao ângulo direito, mandando para escanteio. Escanteio cobrado, bola parcialmente afastada e quem se manteve na área austríaca foi o zagueiro italiano Francesco Acerbi. Sábia decisão: Spinazzola abriu na esquerda com Insigne, que centralizou o lance encontrando Acerbi, que recebeu na área, fez a proteção e deixou Pessina em ótima situação para marcar o segundo. Era o centésimo gol marcado na Eurocopa 2020.

Schaub entra bem, Áustria reage e jogo tem final eletrizante

Tendo mexido apenas uma vez no tempo regulamentar (aquela mencionada alteração por lesão) e uma outra no primeiro tempo na prorrogação (Arnautovic por Sasa Kalajdzic), Franco Foda tratou de realizar duas mexidas ao mesmo tempo no intervalo: sáiram Florian Grillitsch e Xaver Schlager, entraram Louis Schaub e Michael Gregoritsch). E Schaub foi figura fundamental na reação austríaca.

Logo no primeiro minuto, Schaub descolou excelente chute de fora da área, com força e colocação, parando em defesaça de Donnarumma, que conseguiu esticar o braço esquerdo para evitar o gol.

Em lance isolado aos três minutos, Giovanni Di Lorenzo saiu em disparada desde a defesa italiana e chutou para fora, deixando a dúvida se ele tem apenas dois pulmões em seu organismo multicelular. 

Aos cinco, Gregoritsch cruzou da direita e Sabitzer teve duas chances. Na primeira, pegou mal na bola com a perna direita; na segunda, imediatamente na seqûencia, tentou com a perna e esquerda mas chutou para fora.

Na marca de sete minutos, Schaub emendou de e esquerda e a bola subiu após desviar em Spinazzola. Escanteio para a Áustria. O próprio Schaub se encarregou da cobrança: ele mandou no primeiro poste, Kalajdzic mergulhou rente à grama se antecipando à marcação e, após 1159 minutos (o número é esse mesmo, mil cento e cinquenta e nove), Donnarumma foi finalmente vazado em jogos oficiais pela seleção italiana. Gol da Áustria para dar contornos dramáticos à partida em Wembley.

Aos treze, Gregoritsch chutou de fora, de primeira, e mandou à direita.

Os austríacos se mandaram ao ataque como se não houvesse amanhã. Coube à Itália explorar os espaços deixados na defesa. Aos catorze, Chiesa foi acionado pela esquerda, encobriu Bachmann mas viu Christopher Trimmel evitar o terceiro gol. Novamente aos catorze, novamente explorando a avenida aberta na defesa austríaca, Chiesa arrancou em contra-ataque e trombou com o inesgotável Martin Hinteregger - o árbitro inglês Anthony Taylor mandou seguir. Mas não por muito tempo, pois aos dezesseis, ele apitou pela última vez. Estava encerrado o jogo. Aliás, que jogo! A Itália avança. Mas precisaremos lembrar com carinho dessa performance da Áustria. Sob o comando de Franco Foda, essa equipe jogou um belo futebol e desenvolveu um toque de bola entre os melhores de todo o torneio. Que esse trabalho tenha continuidade. O esporte agradece.

sábado, 26 de junho de 2021

Intensa, Dinamarca Goleia Gales Com Dois Gols De Dolberg E Vai Às Quartas

Abrindo a fase de oitavas de final nessa Eurocopa 2020, País de Gales e Dinamarca se encontraram em Amsterdã. E, se alguém imaginava um confronto decidido nos detalhes, veio a surpresa: uma sapecada dinamarquesa por quatro gols a zero. É a segunda partida consecutiva que a seleção comandada por Kasper Hjulamand marca quatro vezes no mesmo jogo (lembre como foi a goleada por quatro a um sobre a Rússia clicando aqui).

País de Gales começa melhor

Com uma marcação muito bem desenhada desde o campo ofensivo - com um homem mais a frente, seguido por uma linha de três e, imediatamente atrás, outros dois jogadores -, a seleção galesa dificultava enormemente a saída de jogo do adversário. De tal forma que o goleiro Kasper Schmeichel simplesmente não via outra opção a não ser rifar a bola toda vez que a posse estava consigo. E se a marcação de Gales era muito bem feita, o mesmo não se podia dizer da Dinamarca. Aos nove minutos, Gareth Bale recebeu pelo lado direito de ataque e teve a liberdade de arrancar em diagonal, trazendo para a perna esquerda sem ser incomodado por nenhum marcador - o chute saiu com curva e passou perto da trave direita, quase inaugurando a contagem.

Dinamarca equilibra as ações e abre o placar

Conseguindo conter os galeses no último terço de campo e passando a, gradativamente, frequentar um pouco mais o ataque, a Dinamarca superava os maus minutos iniciais e começava a sobressair no jogo. Aos vinte e seis minutos, Mikkel Damsgaard, em jogada pela esquerda, tocou para Kasper Dolberg, que trouxe para a perna direita e, antes da chegada de carrinho de Chris Mepham, conseguiu chutar uma bola que rumou para o canto esquerdo, fora do alcance do goleiro Daniel Ward. Um a zero Dinamarca.

Por pouco, primeiro tempo não termina com vantagem maior para a Dinamarca

Depois de abrir a contagem em Amsterdã, o domínio dinamarquês passou a ser flagrante. A equipe já não era ameaçada em sua defesa. E, no campo ofensivo, duas ótimas chances de gol ocorreram ainda antes do intervalo. Aos trinta e um minutos, numa ótima trama pelo lado esquerdo de ataque, Damsgaard tabelou com Thomas Delaney, levantou a cabeça e cruzou rasteiro para Dolberg, que só não anotou o segundo gol porque Ward impediu. 

Aos quarenta e cinco, após lance iniciado no flanco direito de ataque dinamarquês, um cruzamento levou a bola até o lado oposto: Martin Braithwaite não conseguiu dominar mas acabou permitindo a chegada de Joakim Mæhle, que chutou à direita, na rede pelo lado de fora. A defesa galesa apenas assistiu mais essa oportunidade criada e deve ter comemorado a chegada do intervalo, visando rearrumar a casa a partir dos vestiários.

Logo no início da segunda etapa, o segundo gol da Dinamarca

É bem possível que o treinador Robert Page tenha conseguido identificar o que era preciso modificar na estrutura do time a fim de buscar o empate numa partida onde sua equipe havia começado melhor que o adversário. Mas, tendo identificado ou não, o fato é que logo aos dois minutos a desvantagem foi dobrada: Braithwaite carregou a bola pela direita, cruzou e, na tentativa de cortar, Neco Williams teve a infelicidade de direcionar a bola exatamente para onde estava Dolberg. Mostrando faro de goleador, ele agiu rápido para estufar a rede pela segunda vez. Importante observar nesse lance que, ainda no campo de defesa dinamarquês, houve uma dividida faltosa do zagueiro Simon Kjær no atacante Kieffer Moore. Acho bastante estranho que mesmo com o auxílio tecnológico essa infração tenha sido solenemente ignorada, validando um gol que se apoiou em uma irregularidade digna de invalidá-lo. Aliás, existe alguma irregularidade que deva ser tolerada quando revisada? 

Dolberg comemora: com dois gols no jogo, atacante foi um dos destaques na partida. Imagem extraída da página Bola Na Rede.

 Gales tenta reagir e cria chances

Tentando juntar os cacos de uma desvantagem elástica (era a primeira vez nessa Eurocopa que País de Gales ficava dois gols atrás no placar), a equipe galesa se lançou mais - e melhor - ao campo de ataque. Aos sete minutos, Williams foi acionado na direita e conseguiu unir o útil ao agradável quando, com um ótimo cruzamento, evitou a saída de bola pela linha final. Porém, o cabeceio de Bale para fora acabou tirando uma bola que encontraria o centroavante Moore melhor posicionado do que o capitão.

No minuto seguinte, aos oito, Aaron Ramsey, sumido no jogo, realizou cruzamento da direita buscando Moore - mas a zaga dinamarquesa conseguiu cortar. Aos vinte e um minutos, Joe Allen chutou e Jannik Vestegaard bloqueou.

Com partida sob controle, Dinamarca deslancha e constrói a goleada

Após a assimilação das substituições, a dominância dinamarquesa se intensificou. Isso se deve fundamentalmente pela atitude de uma seleção que se movimenta bastante quando tem a bola, não satisfeita em jogar o básico ou fazer o óbvio. Isto é, mesmo com algumas mexidas questionáveis (não vi nenhum cabimento em tirar Dolberg e, principalmente, Damsgaard de campo), a equipe ainda conseguiu criar, ser intensa e efetiva. 

Aos quarenta minutos, após cobrança curta de escanteio pela direita, Mathias Jensen - um dos que entraram no segundo tempo - levantou para o segundo poste e a bola retornou para a primeira trave, com Braithwaite chutando cruzado, à direita, quase marcando o terceiro.

Dois minutos depois, o terceiro gol se consumou: Mæhle recebeu na direita livre de marcação, arrumou deixando Benjamin Davies no chão e chutou forte no canto esquerdo.

Se já não se vislumbrava uma reação galesa, a expulsão de Harry Wilson após derrubar Mæhle encaminhou de vez a classificação dinamarquesa. A bem da verdade: o cartão vermelho direto num lance sem violência pareceu um exagero do árbitro alemão Daniel Siebert, que poderia tranquilamente advertir com um cartão amarelo naquela situação.

Aos quarenta e oito, com a vantagem numérica de jogadores se juntando à superioridade que já se manifestava antes disso, saiu o gol derradeiro nos quatro a zero: Andreas Cornelius, que entrou bem no jogo, tocou para Braithwaite, que comemorou duas vezes: a primeira, logo depois de estufar a rede; a segunda, minutos depois, com a revisão do VAR que ratificou a legitimidade do lance.

Mesmo sem Poulsen, a Dinamarca mostrou uma força ofensiva muito interessante. Sua presença nas quartas de final é mérito de um ótimo jogo coletivo e carrega um aspecto emocional singular - afinal, cada passo que essa seleção dá na Eurocopa traz consigo a onipresença de Christian Eriksen.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

No Sufoco, Alemanha Empata Com A Aplicada Hungria E Consegue A Classificação

Antes de a Eurocopa 2020 ter início, o olhar lançado sobre o grupo F era carregado de certezas: Alemanha, França e Portugal disputariam, entre si, as duas vagas diretas e, possivelmente, um terceiro lugar que também viabilizasse a classificação. No final das contas,  o grupo de fato terminou com franceses, portugueses e alemães classificados. Mas, verdade seja dita, não há como falar desse grupo F sem citar o mérito, a valentia e a organização tática da Hungria.

Nessa quarta-feira, vinte e três de junho de dois mil e vinte e um, em Munique, pela terceira e última rodada na fase de grupos, o selecionado húngaro teve atuação gigante defensivamente. Conseguiu tornar a Alemanha, que esbanjara dinamismo na vitória sobre Portugal na rodada anterior, parecer um time previsível. Mas não se engane: a excepcional seleção comandada por Joachim Löw de previsível não tem nem o acento agudo. Se algo ou alguém fez parecer previsível a seleção alemã, esse algo é a extrema organização, disciplina e comprometimento táticos - e esse alguém é o treinador italiano Marco Rossi, que assina a presente obra.

A Hungria foi a campo precisando da vitória para garantir a classificação. Uma missão inglória, por ter como adversária a poderosa Alemanha de Löw. Mas longe do impossível para aqueles que sustentaram o zero a zero com o atual campeão europeu até os oitenta e três minutos; que arrancaram um empate com a atual campeã mundial; e que iam a campo em Munique dispostos a fazer história.

Aos dez minutos de jogo, essa história ganhava seu primeiro capítulo: após rápido contra-ataque, Roland Sallai cruzou (leia-se "passou via lançamento") e encontrou o voluntarioso centroavante Ádám Szalai, que conseguiu se posicionar entre Matthias Ginter e Mats Hummels para mergulhar com muito estilo e precisão, cabeceando no canto esquerdo do gol. Um a zero para os húngaros em pleno território alemão.

Aos vinte minutos, a sorte sorriu à Hungria em forma de ferro: após escanteio cobrado da direita por Joshua Kimmich, Hummels cabeceou no travessão.

Chovia e chovia forte em Munique. À beira do campo, tanto Löw quanto Rossi vestiam capas. Eles se protegiam das águas que caíam forte do céu. Mas quem melhor se protegia das investidas alemãs era a defesa húngara. Bastante compacta, reduzindo espaço entre linhas e coordenando movimentos laterais e verticais pelo gramado molhado, o selecionado húngaro fazia do sistema de marcação uma espécie de sinfonia, onde todos os instrumentos se mostravam perfeitamente entrosados, sob a batuta do maestro italiano que comandava seus músicos.

Veja bem: sou um profundo admirados do futebol ofensivo, que valoriza a posse de bola, que roda de pé em pé buscando a melhor opção, que faz uso de dribles, triangulações, ultrapassagens e infiltrações. Mas, uma marcação bem realizada, que consegue inviabilizar todo o sistema de criação de um adversário tecnicamente melhor qualificado, merece ser reverenciada. E não "somente" por isso, mas também pela admirável capacidade de sair com qualidade em contra-ataques, mesmo que de forma bastante esporádica.

As duas equipes voltaram com as mesmas formações para o segundo tempo, num indicativo de que o trabalho vinha sendo bem feito até então. E de fato era, mas se alguém precisava de alguma novidade, de alguma ruptura com a estratégia até então adotada, esse alguém era a Alemanha. Com muitas dificuldades de penetrar na defesa húngara - e entenda aqui a defesa como um setor que comporta a totalidade dos onze jogadores em campo -, os alemães ainda tomariam um susto aos dezesseis minutos: Attila Szalai cobrou falta pela esquerda e a bola carimbou a trave de Manuel Neuer.

Naquela altura dos acontecimentos, Löw já tinha trocado İlkay Gündoğan por Leon Goretzka. E, ainda insatisfeito com o impacto da alteração diante de uma inabalável Hungria, o técnico alemão conversava na beira do gramado com Thomas Müller , num prenúncio de que ele entraria no jogo a qualquer momento. Mas, antes mesmo que Müller entrasse em campo, a sorte sorriu para a Alemanha. E sorriu de forma cruel com o goleiro Péter Gulácsi: aos vinte minutos, o camisa um errou o tempo de bola na tentativa de intervenção em um lançamento, Hummels cabeceou e Kai Havertz, no lugar certo e na hora certa, completou também de cabeça para empatar a partida.

Momento após o gol de empate marcado por Havertz: o capitão Szalai e os torcedores húngaros parecem não acreditar no lance. Foto: Reuters.

Müller finalmente entrava em campo, e com a boa notícia de que o time não mais perdia. Junto com ele, entrou também Timo Werner - saíram Serge Gnabry e Havertz, que acabara de marcar o gol que igualava a contagem. A Hungria, sem tempo para lamentações, tratou de imediatamente reagir. E como reagiu bem! No minuto seguinte, em jogada que teve início com a saída de bola no meio do campo, Ádám Szalai deu uma cavada que desmontou a marcação, mandando nas costas tanto de Leroy Sané (que estava totalmente fora de posição) quanto de Hummels. A enfiada de bola encontrou András Schäfer, que chegou antes de Neuer e mandou para a rede. Se naquele momento não mais chovia sobre o campo de partida, o imediato gol de desempate húngaro era uma ducha de água fria no corpo e na alma da Alemanha. Se havia sido tão difícil marcar um gol sobre o aplicado adversário, o que dizer de ter que correr atrás dessa tarefa novamente, com o tempo reduzido e o cansaço ampliado?

Quem tomou a iniciativa das ações for Toni Kroos. As principais oportunidades tinham em comum, a partir daquele momento, o requisito de passar pelos pés do camisa oito. Aos trinta e três minutos, Kroos levantou, Goretzka não alcaçou e Gulácsi segurou. Aos trinta e quatro, Kroos cruzou pela esquerda e Müller cabeceou por cima. Aos trinta e cinco, Kroos tabelou com Robin Gosens, recebeu de volta em passe de primeira e bateu cruzado, com o lado externo do pé, mandando perto da trave esquerda.

O modo "tudo ou nada" foi definitivamente ativado por Löw nas duas derradeiras substituições, que se deram aos trinta e seis: as saídas de Ginter e de Gosens para as entradas de Kevin Volland e Jamal Musiala reforçaram o contingente ofensivo para tentar transpôr uma barreira que funcionava como uma engrenagem na árdua missão de resistir à pressão. E, aos trinta e oito, saiu o segundo gol alemão: em jogada envolvendo Werner e Musiala e Goretzka (três jogadores que entraram no segundo tempo), coube a Goretzka chutar rasteiro, no canto esquerdo. Melhor que o gol, só a comemoração: fazendo um gesto de coração direcionado para a torcida húngara, Goretzka, crítico de governos de extrema-direita, dava um recado sutil e potente contra a LGBTfobia. Nota: antes de a bola rolar, um ativista conseguiu entrar no gramado durante a cerimônia dos hinos nacionais e abrir a bandeira do arco-íris (a UEFA não mostrou essa cena em sua transmissão oficial). Recentemente, a Hungria aprovou legislação que proíbe "promoção" da homossexualidade para menores, num ato explicitamente homofóbico.

Aos quarenta, tentando dar novos capítulos à sua história na Euro 2020, a Hungria teve uma chance de ficar pela terceira vez na frente no placar: Kevin Varga, que substituíra Ádám Szalai, descolou passe calcanhar na passagem Attila Fiola - Kimmich cortou no momento exato. Cortou o lance e cortou as páginas de um livro que terminava de ser escrito ali. Pelo menos para a quase heroica Hungria. A Alemanha de Löw segue. E novos capítulos de bom futebol hão de ser redigidos por esse timaço.

No outro jogo da chave, França e Portugal empataram em dois a dois. Desta forma, estão definidos os cruzamentos nas oitavas de final.

País de Gales e Dinamarca, em Amsterdã.
Itália e Áustria, em Londres.
Holanda e República Tcheca, em Budapeste.
Bélgica e Portugal, em Sevilla.
Croácia e Espanha, em Copenhaguen.
França e Suíça, em Bucareste.
Inglaterra e Alemanha, em Londres.
Suécia e Ucrânia, em Glasgow.


O primeiro gol do jogo entre Alemanha e Hungria aconteceu antes de a bola rolar: importante mensagem em resposta a uma legislação homofóbica recentemente aprovada na Hungria. Isso a UEFA não mostra. Imagem extraída de Yahoo!.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Cinco A Zero, Fora O Baile: Espanha Encanta, Goleia A Eslováquia E Avança Às Oitavas

Pressionada por uma imprensa - e um público geral - que foca no resultado do jogo ao invés de dar o devido valor à forma como a seleção atua, a Espanha tinha pela frente a Eslováquia na última rodada na fase de grupos na Eurocopa 2020. Um empate - resultado que classificaria os eslovacos - somente serviria aos espanhóis caso a Polônia vencesse a Suécia em partida realizada simultaneamente. E, considerando, que os suecos abriram o placar já no segundo minuto de jogo diante dos poloneses, já viu... [Apenas a nível de informação: Suécia e Polônia terminaria com vitória nórdica por três a dois, garantindo o primeiro lugar aos suecos e a lanterna aos poloneses.]

Totalmente alheia ao que ocorria em São Petersburgo, a seleção comandada por Luís Enrique tratou de fazer em Sevilla aquilo que mais sabe fazer: propôr jogo, rodar a bola, procurar o ataque. E fez isso muito bem, obrigado. Aos quatro minutos, Álvaro Morata chutou cruzado e o goleiro Martin Dúbravka espalmou para o lado esquerdo uma bola que passou perigosamente pela pequena área. No minuto seguinte, mais Espanha: Gerard Moreno tabelou, cruzou rasteiro em nova jogada pelo lado esquerdo de ataque e Dúbravka recolheu.

Aos oito, Koke conseguiu tomar a frente de Jakub Hromada e foi atingido dentro da área. Pênalti. Involuntário, é verdade, mas até um chute involuntário é capaz de derrubar. Com revisão do VAR, a cobrança foi realizada três minutos depois, aos onze. Morata na bola. E, de forma bastante coerente com a performance de Morata nessa Eurocopa, a cobrança terminou em defesa de Dúbravka.

Morata pára em defesa de Dúbravka: naquele momento, a Eurocopa chegava a onze pênaltis cobrados, sendo este o sexto desperdiçado. Foto: EFE.
 

Antes de a partida ter início, um camarada que também está acompanhando a Eurocopa (blogueiro que administra a página Os Craques Na Rede) comentou comigo que Maurício Noriega, funcionário de uma emissora que está fazendo a cobertura do torneio, teria afirmado que "a Espanha tem nojo de fazer gol". Não sei muito bem o que o sr. Noriega estava fazendo durante o jogo em que a Espanha colocou o goleiro da Suécia para fazer pelo menos duas grandes defesas, em partida onde dominou por praticamente a totalidade da partida. Também não faço ideia de onde estava a atenção do mesmo Noriega diante do volume de jogo espanhol na segunda rodada, quando poderia ter feito o segundo gol sobre a Polônia, mas desperdiçou, entre outras chances, uma cobrança de pênalti. Não sei e, sinceramente, nem quero saber qual era a distração de Noriega durante este jogo de hoje da Espanha diante da Eslováquia. O fato é que, mesmo com o zero a zero em andamento, o que se via era uma Espanha sempre buscando o gol. Se isso é nojo, o dicionário é bastante falho em sua definição do termo.

Aos catorze minutos, mais Espanha no ataque: Sergio Busquets abriu na direita com Pablo Sarabia, que tocou para Koke em jogada de ultrapassagem rente à linha de fundo, rendendo escanteio. Aos dezoito, adivinha que seleção criava nova grande chance de gol? Pois é, a "nojenta" Espanha. Sarabia foi lançado e, de frente para o goleiro, sem nenhum marcador entre eles, não conseguiu finalizar. Ainda aos dezoito, nova chegada perigosa espanhola: César Azpilicueta se apresentou pelo lado direito e cruzou para Pedri, que fechou em liberdade mas não alcançou a bola com a perna esquerda. Aos vinte e três, a tentativa foi de fora da área, com Morata recebendo, trazendo pra perna direita e parando em bela defesa de Dúbravka, que espalmou no canto esquerdo.

Tanto a Espanha quanto o goleiro Dúbravka faziam uma ótima partida. O zero a zero refletia muito mais a atuação do eslocavo que vestia a camisa número um do que o desempenho coletivo espanhol. Mas, por uma ironia cruel do futebol, aos vinte e nove minutos, Dúbravka protagonizou uma falha bizarra que abriu o placar. Após erro da defesa da Eslováquia na saída de bola, Sarabia ajeitou e chutou com força uma bola que explodiu no travessão e imediatamente subiu. Por pura infelicidade do goleiro, sua tentativa de saltar para empurrar a bola em escanteio - um movimento muito mais simples do que defender uma cobrança de pênalti - foi totalmente frustrada. Com o sol batendo em seu rosto no momento do salto, perdeu a noção de onde estava o objeto esférico que tinha como alvo e, ao invés de empurrar a redonda por cima do travessão, acabou direcionando para dentro do próprio gol. Era simplesmente o terceiro gol contra de um goleiro nessa Eurocopa. Mas esse, de longe, o mais bisonho. No total, essa edição da Euro já conta com sete gols chutados - ou arremessados - contra o próprio patrimônio.

Ainda no primeiro tempo, a Espanha teve novas oportunidades interessantes. Na última delas, aos quarenta e sete minutos, a defesa eslovaca afastou mal após cobrança de escanteio e Pedri, esbanjando lucidez, deu boa enfiada de bola para Moreno, que cruzou para Aymeric Laporte cabecear no contrapé de Dúbravka. Dois a zero.

A Eslováquia, amplamente dominada, voltou do intervalo com duas substituições realizadas pelo treinador Štefan Tarkovič: saíram Ondrej Duda e Hromada (meio-campistas que pouco puderam fazer além de assistir a Espanha jogar), entraram Michal Ďuriš e Stanislav Lobotka. As mexidas e, talvez principalmente, a nova atitude da Eslováquia no jogo lançaram a equipe ao ataque. Afinal, a derrota por dois a zero tirava ela inclusive da zona de classificação dos quatro melhores terceiros colocados. Aos nove minutos, Ďuriš foi lançado na esquerda nas costas da defesa, mas finalizou fraco, facilitando para Unai Simon, que era praticamente um espectador dentro do gramado. 

No minuto seguinte, uma ótima - e efetiva - resposta espanhola: Pedri acionou Jordi Alba na esquerda e o lateral cruzou para Sarabia, que completou no canto esquerdo. Três a zero.

Se eu te contasse que um chute de fora da área dado por Lukáš Haraslín, aos dezesseis minutos, que passou à esquerda do gol espanhol, seria o último ataque eslovaco na partida, você acreditaria? Pois acredite. 

Luís Enrique começou a mexer na equipe aos vinte minutos, trocando Morata por Ferran Torres. E já no minuto seguinte, em sua primeira participação, em seu primeiro toque na bola, Torres foi "nojento": após assistência de Sarabia, Torres completou de letra. Golaço para estabelecer quatro a zero no placar.

Aos vinte e cinco, Luís Enrique mexeu em dobro: trocou Eric García e Busquets por Pau Torres e Thiago Alcântara. E, novamente, não demorou um minuto após a substituição para sair outro gol espanhol - e novamente com participação de alguém que acabara de entrar em campo. Após bola levantada, Laporte deu um primeiro cabeceio e Pau Torres, também usando a cabeça, centralizou o lance. Sem ter muito o que fazer diante da intensa presença de espanhóis, Juraj Kucka acabou marcando contra. Mais um pra vasta coleção dessa Eurocopa. Cinco a zero.

Espanhóis celebram o quinto gol na goleada sobre a Eslováquia. Os dez homens de linha da Espanha aparecem na imagem, até porque todos eles estavam quase sempre na área eslovaca... Foto: AFP.

As duas últimas mexidas de Luís Enrique deram-se aos trinta e um minutos: Moreno e Azpilicueta deram lugar a Adama Traoré e Mikel Oyarzabal. E se alguém poderia imaginar que uma seleção se desfiguraria após ter meio time mexido - não é força de expressão: foram cinco substituições até aquele momento -, não entendeu ainda o que é uma filosofia de jogo. A Espanha permaneceu Espanha. Chances continuaram sendo criadas. Teve uma em cruzamento de Alba, aos trinta e cinco, com a bola atravessando bem a frente de Sarabia, Oyarzabal e do goleiro Dúbravka. Teve outra aos trinta e nove, quando Sarabia chutou de fora, por cima. Teve  mais outra, em ótima troca de passes envolvendo Koke, Sarabia, Adama Traoré, Thiago e Pedri, com Dúbravka pegando. E teve uma última, quando Oyarzabal escapou de Kucka e mandou um chute que passou à direita.

Na boa, faça a crítica que quiser a essa seleção espanhola. Mas jamais diga que ela tem "nojo de gol". Hoje foram cinco, na maior goleada nessa Euro 2020, mas poderiam ter sido dez. Só que a quantidade de gols é apenas um detalhe. O que realmente importa é a intenção, a proposição, a estruturação do jogo. E isso, não há como negar, a Espanha é daquelas que mais dão gosto de ver jogar.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Com Modrić Decisivo, Croácia Supera Escócia E Se Classifica

Cientes de que a classificação para as oitavas de final somente seria alcançada em caso de vitória no jogo de hoje, Croácia e Escócia fizeram, em Glasgow, um jogo de caráter eliminatório em plena fase de grupos, onde o empate eliminaria ambas as seleções. Na outra partida simultânea, Inglaterra e República Tcheca, já classificadas, decidiriam o primeiro lugar no grupo D. Com os resultados finais (Croácia 3a1 Escócia; e Inglaterra 1a0 República Tcheca), ingleses avançam em primeiro; croatas em segundo; tchecos em terceiro; e os escoceses estão eliminados.

Escalada com três zagueiros onde somente um é de fato e de direito um zagueiro (o camisa cinco Grant Hanley), a Escócia qualificava sua saída de jogo com Scott McTominay e Kieran Tierney. E foi a seleção escocesa quem teve as duas melhores oportunidades iniciais na partida. Aos cinco minutos, John McGinn, aparecendo pelo flanco esquerdo, usou a perna direita para levantar a bola na área, Che Adams apareceu na pequena área e esticou a perna na intenção de empurrar para o gol. mas acabou não alcançando por centímetros - o goleiro Dominik Livaković mandou para escanteio. Aos nove, Adams foi acionado no comando de ataque e, por estar isolado do restante do time, precisou se virar sozinho - ele trouxe a bola para a perna direita e chutou de fora da área, mandando à esquerda.

Com um meio de campo de boa qualidade técnica, a Croácia dessa vez tinha Luka Modrić atuando de forma mais adiantada em relação aos dois primeiros jogos, numa escolha acertada do técnico Zlatko Dalić. Quando tinha a bola nos pés, algo de interessante acontecia. Quando não tinha, sua movimentação por si só já atraía a atenção do sistema defensivo escocês, permitindo que outros jogadores croatas pudessem aparecer. Aos dezesseis, Josip Juranović levantou a bola, Ivan Perišić arrumou de cabeça e Nikola Vlašić agiu rápido para amortecer na coxa e, antes de permitir a chegada de McTominay, Hanley e Callum McGregor, chutar com a perna esquerda no canto direito. Um a zero Croácia na capital da Escócia.

Aos vinte e um minutos, Modrić quase ampliou quando deu ótimo chute, com força, e a bola passou pouco acima do travessão pouco após desvio sutil do goleiro David Marshall. Tão sutil, que a arbitragem nem viu e marcou equivocadamente posse de bola para os escoceses onde deveria ter sido assinalado escanteio para os croatas.

Aos vinte e três, a Escócia conseguiu um momento de pressão que quase rendeu o gol de empate: após troca de passes iniciada por Adams, a bola atravessou a área e retornou até ele, que evitou a saída pela linha de fundo e a manteve em jogo. Na sequência do lance, McGinn chutou de fora e Livaković defendeu no canto direito.

Bastante burocrático no meio de campo, o jogo diminuiu as opções de aproximação tanto da valente Escócia quanto da Croácia, que parecia se acomodar no resultado de vantagem mínima. Embora tivesse conseguido duas chegadas interessantes aos trinta e sete minutos (com chute de Juranović após boa troca de passes) e aos trinta e nove (em finalização de Perišić após jogada individual pela esquerda), ficava a nítida sensação de que a seleção da camisa xadrez podia render mais do que isso. E, aos quarenta e um, veio o empate escocês: após jogada de McGinn com Andrew Robertson pelo lado esquerdo, a bola alçada na área croata foi afastada apenas parcialmente por Domagoj Vida, indo parar no domínio de Mc Gregor que, livre de marcação, chutou da meia-lua e mandou no canto direito. Um a um, para muita festa no campo e nas arquibancadas - era o primeiro gol da Escócia nessa Eurocopa e também o primeiro gol de McGregor com a camisa da seleção após trinta e quatro jogos disputados.

Com o empate ao intervalo, as seleções se viam numa espécie de divisor de águas: teriam o segundo tempo inteiro para definir sua permanência ou despedida no torneio. Aos quatro minutos e também aos dez, a Croácia chegou com perigo em jogadas pelo centro. Na primeira, Joško Gvardiol foi bloqueado na valente e providencial saída do goleiro Marshall; na segunda, Perišić foi lançado por Modrić e parou em nova defesa de Marshall - mas, dessa vez, mesmo que a bola entrasse o placar permaneceria o mesmo, pois houve detecção de impedimento no lance. 

Aos treze, tivemos a primeira boa chegada escocesa na segunda etapa: Robertson lançou da esquerda, McGinn se projetou levando vantagem na disputa de espaço com Gvardiol e, na pequena área, de frente com o goleiro, até conseguiu realizar o desvio, mas sem dar à bola a direção do gol. 

Não sei se o lance assustou - e despertou - a Croácia. Não sei se a própria Croácia se viu na necessidade de jogar mais bola do que vinha jogando. O fato é que, três minutos depois, uma bela trama de jogada aconteceu a partir do flanco esquerdo. Já dentro da área, Bruno Petković fez a função de pivô, rolou atrás para Mateo Kovačić e este, para desafogar o lance e deixar com quem melhor entende do trato com a redonda, rolou um pouco mais atrás para Modrić. E o desfecho do lance foi com o selo Modrić de qualidade. Um chute de primeira, dando um tapa estiloso na bola, com o peito do pé num movimento para fora, como se fosse pegar de trivela. Na gaveta. Golaço. Dois a um para a Croácia.

Lindo chute de Luka Modrić para recolocar a Croácia em vantagem diante da Escócia. Imagem extraída de Bola Na Rede.

 

Com dificuldades para se aproximar do ataque, a seleção escocesa precisava de algum fato novo. Steve Clarke optou por colocar em campo Ryan Fraser no lugar de Stuart Armstrong. Isso até aumentou a ofensividade da equipe, mas, para se ter uma ideia do deserto de criatividade no meio campo azul, a jogada seguinte de perigo da equipe foi construída graças à subida de McTominay, que iniciou o lance aos vinte e sete minutos e, após tabela curta, só não conseguiu finalizar porque Livaković chegou antes.

Aos trinta e dois, o pé bendito de Luka Modrić foi novamente fundamental para a Croácia: cobrando escanteio pelo lado esquerdo, ele levantou a bola no primeiro pau e contou com a excelente movimentação de Perišić, que mostrou saber antecipadamente exatamente onde a bola iria, desviando de cabeça, cruzado, e marcando no canto esquerdo. Três a um, nesse gol que tornou Perišić terceiro maior goleador na história da seleção de seu país, com trinta. Ele deixou para trás o brasileiro naturalizado croata, Eduardo da Silva, e tem a sua frente simplesmente os centroavantes Mario Mandžukić (trinta e quatro gols) e Davor Šuker (quarenta e cinco).

Aos trinta e quatro, um chute de Fraser pelo lado esquerdo sobrou para Adams no lado direito e a nova finalização foi bloqueada por Livaković. A Escócia tentava reagir. E seus maiores impulsos ao ataque eram a movimentação de Fraser e a técnica de McTominay, que finalmente foi deslocado da linha de defesa para o meio de campo, numa alteração tática que demorou demais para acontecer.

Aos quarenta e sete, McTominay estava dentro da área, chutou mas foi bloqueado pela marcação. No escanteio daí originado, Fraser recebeu, cruzou da esquerda e Scott McKenna cabeceou à direita.

Com Modrić tocando a bola no meio de campo, o árbitro argentino Fernando Rapallini deu o apito derradeiro. E a imagem que sucedeu era tão linda quando um golaço: Modrić, aos trinta e cinco anos de idade, ergueu os braços, gritou algo em comemoração e se ajoelhou no gramado, emocionado com a classificação. É isso mesmo, senhoras e senhores de todas as faixas-etárias. Um jogador finalista de Mundial, eleito melhor do mundo pela FIFA em 2018, estava absolutamente em êxtase pela vaga nas oitavas na Eurocopa 2020. Essa celebração dá a dimensão do comprometimento do camisa dez com sua seleção. Uma lição de profissionalismo e, sobretudo, amor. À camisa, ao país, ao futebol. Viva, Modrić!

Modrić, após o apito final de Croácia 3a1 Escócia. Imagem extraída de Independent En Español.