Zilhões de vezes dizemos por aqui que não existe vitória/classificação de véspera. Ser repetitivo não é uma escolha nesse caso: é necessidade. Afinal, não raramente vemos analistas sentenciando destinos de clubes em jogos e torneios, precipitando-se num esporte onde reviravoltas no placar tantas vezes se mostram presentes.
O Tottenham havia vencido a Internazionale por 3a0 em White Hart Lane, levando muitos a "entender" que a eliminatória estava resolvida: o clube inglês avança e o italiano dá adeus. No final, quem ousou dizer isso antes da partida de volta, acabou acertando. Mas há que se ponderar o seguinte: não foi nem de perto algo tão simples assim.
A Inter jogou muita bola em San Siro. Mas muita bola mesmo. O aparente desleixo do clube londrino pode até ter sido um facilitador para o predomínio flagrante interista, mas vejo outros fatores ainda mais relevantes para a superioridade constatada no estádio Giuseppe Meazza. E vou começar falando da atuação formidável do argentino Rodrigo Palacio.
Com dezenove minutos de partida, em mais uma de suas ágeis jogadas pelos flancos do campo, o habilidoso camia oito escapou pela direita, cruzou de forma certeira e coube a Antonio Cassano a conclusão - de cabeça, na rede, 1a0 Internazionale. Ninguém na linha de defesa do Tottenham se mostrou nem se mostraria capaz de parar Palacio. Melhor pra Inter, ótimo para o confronto.
Com a defesa protegida por Esteban Cambiasso, Walter Gargano e Mateo Kovacic, Freddy Guarín auxiliava na armação de jogadas, mas não fazia partida à altura de seu potencial. Porém, a versatilidade de Cambiasso e a parceria entre Cassano e Palacio compensavam qualquer carência que Guarín teoricamente proporcionava com a atuação abaixo do esperado.
O Tottenham, em todo o primeiro tempo, só ameaçou uma vez. Mais precisamente no último lance, com Emmanuel Adebayor não conseguindo superar Samir Handanovic. Na segunda etapa, veio o segundo gol dos donos da casa já aos seis minutos: de compatriota do novo papa para compatriota do novo papa, Cambiasso serviu Palacio com precisão e o chute cruzado do avançado resultou no 2a0.
André Villas-Boas parecia sentir que a vantagem obtida na ida estava por um triz de ser quebrada e fez uma alteração para dar maior presença no meio-campo da equipe, trocando Jermain Defoe por Lewis Holtby, escolha que acabou isolando o togolês Adebayor do resto de um time que se concentrava na defesa e praticamente não passava da metade do gramado.
Se Guarín estava apagado em campo, Andrea Stramaccioni tratou de colocar mais um argentino na equipe: Ricky Álvarez. Quatro minutos após a primeira mexida do jovem treinador de trinta e sete anos, veio o terceiro gol, que igualava o confronto: Cassano cobrou falta, William Gallas desviou e a bola foi parar na rede, para infelicidade do zagueiro francês.
Com o confronto igualado aos trinta minutos do segundo tempo, a Inter poderia talvez diminuir um pouco o ritmo, até porque era frenética a transição da equipe ao ataque até então. Mas a equipe
nerazzurri fez a melhor escolha possível para os amantes do futebol bem jogado: continuou atacando. Cassano e Palacio continuaram bastante participativos, com Cambiasso a controlar a meiuca.
Villas-Boas, que havia feito duas mexidas (a segunda foi colocando Aaron Lennon no lugar de Jake Livermore, pouco antes da alteração inaugural de Stramaccioni), parecia não encontrar soluções para evitar que seu time fosse encurralado no campo de defesa. Tônica que foi mantida após Stramaccioni colocar Marco Benassi no lugar de Kovacic. Mas o 3a0 persistiu e o jogo foi à prorrogação.
Aí entra um momento crítico da partida, pois estamos falando da definição de um duelo que já teve pelo menos cento e oitenta minutos de duração e que pode estar a meia hora de rumar para os pênaltis. O regulamento dá à Inter a vantagem de jogar essa prorrogação dentro de casa, mas é cruel com a equipe anfitriã pois o critério dos gols marcados fora de casa permanecem valendo.
E o Tottenham usufruiu dessa regra perversa. Conseguiu estabelecer uma pressão no início da prorrogação, tendo chance clara com Lennon. Pouco depois, aos cinco minutos, Adebayor foi mais ligeiro que Christian Chivu e Javier Zanetti para aproveitar o rebote de Handanovic após chute de Moussa Sidi Yaya Dembélé e marcar um gol que valia por dois.
Ainda antes do intervalo derradeiro, o treinador português mexeu pela última vez em sua equipe ao colocar Steven Caulker no lugar de Kyle Naughton. No início da etapa final, Stramaccioni trouxe Andrea Ranocchia, tirando o brasileiro Jonathan e aumentando a estatura de uma equipe que passaria a dar mais atenção em investidas ofensivas pelo alto.
Juan passava a ser o único brasileiro na partida, e seu trabalho consistia naquela altura em agilizar a maneira de recolocar a bola no campo de ataque. Aos quatro minutos, a Internazionale chegou ao quarto gol através de Álvarez, que recebeu de Cassano e voltou a agitar a massa presente nas arquibancadas em Milão. Tinha até torcedor com camisa barcelonista de Messi,
provocando o Milan.
Restavam dez minutos para a Internazionale correr atrás de mais um gol. Não faltaram esforços, mas Gallas e Jan Vertonghen portaram-se bem para resistir a todas as tentativas, sejam por baixo ou por cima. Aliás, a zaga do Tottenham era praticamente a totalidade da equipe, enquanto a Inter chegou a contar com o goleiro Handanovic na área adversária, em lance que Ranocchia cabeceou por cima.
Com o apito final e somente com o apito final de Ivan Bebek, o clube londrino pôde comemorar a classificação. Duzentos e dez minutos de um duelo que terminou matematicamente empatado em quatro a quatro, mas que o regulamento da UEFA acabou por beneficiar a equipe que ficou mais tempo longe de seus domínios. A lição é aquela de sempre: no futebol, não se vence de véspera.