Salvador foi mais uma vez o endereço de um grande jogo nessa Copa do Mundo. Desde a goleada holandesa sobre a Espanha, a Fonte Nova vem sendo agraciada com apresentações para serem guardadas na memória. E se a Bélgica jogou toda a fase de grupos na região Sudeste, era chegada a hora de os comandados de Marc Wilmots darem o ar da graça na capital baiana. Deram não somente o ar da graça como também um espetáculo para nordestino nenhum colocar defeito: com sua melhor atuação na Copa até então, a seleção belga conseguiu superar a bem postada seleção estadunidense para arrancar uma classificação que só saiu na prorrogação, em mais um jogo de oitavas-de-final dramático. Foi o quinto jogo nessa fase que excedeu os noventa minutos regulamentares, um recorde na história do torneio. Bom para os amantes do futebol, pois assistir cento e vinte minutos de um bom jogo não acontece todo dia - embora esse Mundial possa estar a deixar-nos mal acostumados.
Logo no início da partida, Divock Origi mostrou por que ganhou a titularidade no time vermelho: acionado em lance de enfiada de bola, ultrapassou o adversário na base da velocidade e chutou firme, parando na primeira das muitas defesas do goleiro Tim Howard no jogo.
Aliás, para falar das defesas do goleiro Tim Howard no jogo talvez fosse necessário fazer um texto só para isso: durante os noventa minutos, o camisa um de barba avantajada realizou nada menos do que doze intervenções para assegurar o zero no placar, estabelecendo um novo recorde na competição (no total, foram dezesseis defesas!). Atuação antológica, para ratificar de uma vez por todas o quanto essa Copa vem tendo nos goleiros os seus principais protagonistas em diversas ocasiões.
A Bélgica tinha na agilidade do seu meio-campo e no constante apoio de seus laterais (principalmente o canhoto Vertonghen) duas ótimas ferramentas para criar chances. E os Estados Unidos da América eram algo mais do que um time que começa por um goleiro excepcional: tinham uma defesa compacta desde o esforçado Cameron até o inesgotável Beasley, passando pelas muralhas Gonzalez e Besler, contando ainda com a proteção de um Jones que contagiava pela entrega e determinação. Um volante que vale por dois! Tanto é assim que Zusi e Bradley tinham a liberdade de avançarem com alguma freqüência (Bradley mais do que Zusi), compondo com Johnson e Bedoya as principais parcerias para Clint Dempsey. Mas a verdade é que o time comandado por Jürgen Klinsmann ficou a maior parte do tempo mais preocupado em como deter os belgas do que em como chegar à meta defendida por Courtois. Até porque aquele monte de jogador talentoso vestindo vermelho do pescoço ao tornozelo era um constante tormento para os estadunidenses. Entre as muitas oportunidades criadas pela Bélgica, uma merece destaque pela incrível intervenção de Howard. Sem desmerecer nenhuma das outras, mas quando Origi passou para Mirallas e o chute do camisa onze foi parado pelas pernas de Howard, estávamos diante de uma das maiores defesas nessa Copa repleta de grandes goleiros. Simplesmente sensacional.
Aí você pensa: então tudo bem, diante disso, o destino é mesmo a prorrogação. Correto raciocínio. Afinal, a Bélgica criou, tentou, construiu, infiltrou, tabelou, finalizou e... nada de gol, tudo de Howard ou da defesa estadunidense. Só que o jogo teve como destino a prorrogação também por um outro motivo, e esse motivo em particular levou Klinsmann à loucura: é que, no último lance, Wondolowski (que entrara no lugar de Zusi), chutou para fora quando estava de frente para o gol. Era a bola do jogo!
Veio a prorrogação. E se quem procura, acha, a Bélgica finalmente encontrou aquilo que buscou o jogo inteiro. Aos dois minutos, De Bruyne recebeu de Lukaku, se livrou de dois adversários e não desperdiçou a chance, conseguindo superar Howard com uma finalização firme no canto direito. 1a0 Bélgica, enfim!
Se o primeiro tempo na prorrogação começou bem para a Bélgica, o final foi ainda melhor: aos catorze, De Bruyne devolveu a gentileza e, em contra-ataque velocíssimo, acionou Lukaku. O camisa nove, outrora titular mas que dessa vez veio do banco, chutou com força para marcar o segundo gol belga e mostrar que a disputa com Origi por um lugar no time é boa para todos.
No intervalo, vi gente em rede social dizendo que já estava certa a classificação belga para enfrentar a Argentina e o adeus estadunidense para passar a pensar na Rússia-2018. Calma, pessoal. Vimos no dia anterior a Alemanha abrir 2a0 na prorrogação e sofrer para não ceder o empate para a Argélia. Calminha aí que o assunto aqui é futebol. E logo no começo do segundo tempo, os fatos me deram razão: Green, que acabara de entrar em campo no lugar de Bedoya, recebeu ótimo passe de Bradley na área e "inventou" de marcar seu primeiro gol com a camisa da seleção em plena prorrogação de Copa do Mundo.
Na base da garra, os EUA foram com tudo para tentar o empate. Era tanto empenho e entrega que chegava a ser difícil não desejar que houvesse sucesso nessa empreitada. Só que, pelo conjunto dos cento e vinte minutos, aquela vaga nas quartas-de-final não poderia ter outro destinatário que não fosse a Bélgica. A equipe conseguiu se segurar e, mais do que isso, avançar em contra-ataques que deixaram o jogo frenético. Nem o cansaço teve vez para aquela molecada boa de bola - e de cabeça. Disciplinada taticamente, esbanjando talento e sem abdicar de atacar em momento algum, a Bélgica fez por merecer a classificação. E traz com essa classificação uma certeza: esse blogueiro é um sortudo por ter ingressos para assistir Argentina e Bélgica pela fase quartas-de-final. Como não pensar nisso nos próximos três dias?
Nenhum comentário:
Postar um comentário