quarta-feira, 23 de julho de 2014

Tener En Casa A Tu Papá

Cinco a zero num jogo semifinal de Libertadores é de chamar atenção. Quase tanta atenção quanto um sete a um em jogo semifinal de Copa do Mundo. Só que as semelhanças entre San Lorenzo e Bolívar, jogo de ida em Buenos Aires, e Brasil e Alemanha, jogo único em Minas Gerais, param no placar elástico. Se no mundial de seleções vimos um baile de bola (sobretudo de bola rolando) por parte dos alemães, no torneio continental de clubes viu-se um resultado construído na base da empolgação e da eficiência nos lances de bola parada. Um triunfo tático e técnico, sim, mas sobretudo espiritual.

No primeiro tempo não houve um banho de bola com gols sucedendo gols como passes atrás de passes e finalizações pós finalizações. Houve, isto sim, um confronto muito pegado. Com cara de Libertadores. Infelizmente, aquela face que não gostamos de lembrar. Mas o jogo duro e por vezes hostil por parte da equipe visitante não era desleal: era apenas uma energia mal canalizada. Nervosismo, talvez. Rendeu três cartões amarelos em vinte minutos (Yecerotte, Callejón e Gutiérrez). E muitas faltas cometidas. Em duas delas, castigos: tanto aos cinco quanto aos vinte e sete, Romagnoli caprichou no levantamento. Tanto aos cinco quanto aos vinte e sete, a defesa do Bolívar não conseguiu acompanhar o lance como deveria. Resultado: Matos inaugurou e Más ampliou o placar para o San Lorenzo.

No intervalo, Azkargorta realizou duas substituições (Miranda e Rodas saíram, Chávez e Tenorio entraram), mas o maior acerto do técnico espanhol foi fundamentalmente na mentalidade da equipe. O Bolívar voltou equilibrado emocionalmente e tal equilíbrio proporcionou uma melhor aplicação tática do plano de jogo do time. Passou a freqüentar mais o campo de ataque. As infrações que outrora cometera, tornaram-se faltas a favor. E o time parecia gostar do jogo, com todos os motivos para isso - exceto o placar adverso. Dava sinais de que poderia descontar e dar um novo rumo para a partida. Só que pagou caro por um vacilo em sua defesa. Dessa vez, com a bola rolando. O volante Mercier se lançou ao ataque, acreditou no lance mesmo quando a jogada parecia sob controle da defesa adversária e foi premiado pela perseverança, conseguindo finalizar no canto direito para marcar três a zero, aos vinte e quatro.

Naquele momento, Bauza já havia lançado Cauteruccio e Barrientos nos lugares de Matos e Romagnoli. Talvez nem o treinador do San Lorenzo botasse fé que a vitória se transformaria em goleada. Mas quem tem o papa consigo, vai duvidar do quê? Quatro minutos depois do terceiro gol, Buffarini recolheu bola mal afastada, avançou sem ser incomodado e soltou um chute que terminou num golaço, o quarto dos donos da casa.

Azkargorta trocou Callejón (omisso na marcação no lance do gol de Buffarini) por Saavedra. Pouco depois, Bauza fez a última substituição: Villalba por Verón. Já parecia desenhada a satisfação do placar para quem vencia e a aceitação do resultado para quem perdia. Algo como "que seja o que Deus quiser no jogo de volta". Só que havia tempo para mais. E voltamos ao princípio. De novo, a bola parada. De novo, levantamento preciso (dessa vez de Barrientos, aquele mesmo que substituiu Romagnoli). De novo, desvio certeiro de cabeça. De novo, Más. 5a0 San Lorenzo.

E agora vamos à maior diferença entre este cinco a zero e aquele sete a um: a torcida presente no estádio. Deixei para falar dela somente no último parágrafo com a intenção de deixar a melhor parte para o final. O comportamento da torcida do San Lorenzo no Nuevo Gasómetro foi uma coisa de outro mundo. Aliás, de outro país: Argentina. A celebração começou antes de a bola rolar, continuou por todo o decorrer do jogo e se manteve até após o apito derradeiro. É possível que estejam festejando até agora. E o melhor de tudo é que não foi por causa dos 5a0. É a causa dos 5a0. É aquele espírito que habita a matéria. É aquela prece que fica mais forte quando a bola está parada. É aquele empurrão para acreditar em qualquer lance. É aquele entusiasmo que contagia quem está no gramado. É um orgulho e um amor que não precisam ser ditos dessa forma, pois eles são sentidos em cada cântico, em cada grito, em cada salto, em cada aplauso. Se o San Lorenzo é o time do papa, o Nuevo Gasómetro é um templo onde os anfitriões não se dão o direito de pecar. E olha que os pecados capitais são sete...

Próxima parada: La Paz. Amém.
No país do papa Francisco, que também torce pelo San Lorenzo, fazer festa no estádio já é um ritual tradicional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário