As duas primeiras campeãs mundiais na história das Copas se enfrentaram em Natal para ver quem seguiria para a fase oitavas-de-final. Só havia lugar para uma delas, pois a gigante Costa Rica já assegurara sua classificação com uma rodada de antecipação, vencendo tanto o Uruguai (3a1) quanto a Itália (1a0). Com a vantagem do empate, os italianos foram a campo com uma formação focada na manutenção da posse de bola, povoando o meio-campo com dois laterais e três volantes - atrás uma trinca de zagueiros e na frente a dupla Immobile e Balotelli. Era o suficiente para conter os uruguaios e manter o domínio da redonda consigo, até porque a equipe sul-americana foi derrotada territorialmente na zona central do gramado, só conseguindo como válvula de escape algumas jogadas pelos flancos, principalmente quando envolviam Álvaro Pereira e Cristian Rodríguez, que atormentaram Darmian, Barzagli e outros italianos que eventualmente faziam a cobertura naquele setor.
A melhor chance no primeiro tempo deu-se em lance de bola parada, com Andrea Pirlo cobrando falta e Fernando Muslera espalmando no alto e para cima. Ciente de que a produtividade uruguaia no primeiro tempo era pequena para quem necessitava vencer, Tabárez voltou com Maximiliano Pereira no lugar de Nicolás Lodeiro. Um contrassenso, por mais que Nico Lodeiro não tivesse ido bem nos primeiros quarenta e cinco minutos. Prandelli também mexeu no intervalo, provavelmente preocupado com o risco de jogar com dez: tirou Mario Balotelli, amarelado e automaticamente suspenso, por Marco Parolo. A preocupação era justa, notadamente levando em consideração que tratava-se de um jogo que tinha ingredientes e temperos suficientes para encaminhá-lo a momentos de tensão. O que o treinador da Azzurra talvez não imaginasse é que Claudio Marchisio fosse perder a cabeça e desferir uma solada em Arévalo Ríos: cartão vermelho direto para o camisa oito italiano.
Em vantagem numérica, Tabárez colocou Christian Stuani no lugar de Álvaro Pereira. Ganhou elementos ofensivos, mas não solucionou o problema da falta de articulação entre meio e ataque. Cavani e Suárez até voltavam para buscar jogo, mas tal retorno esvaziava o ataque da equipe e facilitava o trabalho de marcação da Itália, sempre bem postada na defesa. Aos vinte e cinco, Prandelli fez uma boa mexida, colocando Cassano no lugar do inoperante Immobile. Talvez o que faltasse para o Uruguai fosse exatamente um jogador com as características de Cassano - algo como aquele Forlán de 2010. E se faltava alguma coisa para o jogo pegar fogo no Rio Grande do Norte, passou a não faltar mais a partir do momento em que Luis Suárez perdeu a cabeça, a razão, a estribeira, e qualquer outra coisa que se espera de um desportista leal, ao desferir uma mordida no ombro de Chiellini. Suárez perdeu tudo ali. Só não perdeu o direito de continuar em campo, pois o árbitro mexicano Marco Antonio Rodríguez Moreno justificou seu apelido de Conde Drácula e tolerou o gesto vampiresco de Luisito, mesmo após Chiellini mostrar as marcas da arcada dentária do uruguaio por baixo da camisa.
Os italianos se revoltaram, pois tinham naquele momento a oportunidade de voltarem a jogar em igualdade numérica, tirando de campo a principal ameaça adversária - em todos os sentidos. Exausto, Verratti deu lugar para Thiago Motta, proporcionando uma queda de qualidade na saída de bola italiana. Do lado celeste, Rodríguez, que correu e jogou demais, saiu para a entrada de Gastón Ramírez. Três minutos após essa substituição - que era a última por direito -, saiu o gol uruguaio: escanteio cobrado pela direita pelo próprio Ramírez e subida de Diego Godín. Acredito que Godín nem sabia exatamente para onde havia direcionado a bola naquele momento, mas os deuses do futebol tinham certeza: para o fundo da rede. A partir dali, ouviram-se os sons da maioria uruguaia presente no estádio. A partir dali, a situação italiana virou um drama elevado ao cubo: precisavam do gol, estavam em desvantagem numérica e o cansaço físico e psicológico batiam cada vez mais forte com o avançar do cronômetro.
Uma tabela de Cassano com Thiago Motta foi o melhor lance ofensivo dos europeus. Talvez se fosse entre Cassano e Verratti, o desfecho fosse diferente. Fato é que Motta não conseguiu dar seqüência ao lance. E a Itália quase nada conseguiu criar novamente. Criou, isto sim, um possível trauma: se em 2002 a equipe de Trapattoni foi garfada na Coréia do Sul, doze anos depois o time de Prandelli foi mordido no Brasil. Pela segunda vez consecutiva, os tetracampeões mundiais caem na fase de grupos na Copa do Mundo. E o Uruguai segue em frente. Próxima parada: Maracanã. Quem não tem medo de vampiro, há de ter algum receio de fantasma.
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