Holanda e Chile justificaram as circunstâncias do jogo nessa tarde de segunda-feira, em São Paulo. Um jogo que virou o confronto direto pela primeira e segunda posições num grupo que conta também com a atual campeã mundial, a Espanha. Espanha que fecha sua participação na Copa do Mundo 2014 com uma vitória por 3a0 sobre a Austrália, com direito a gol de letra de David Villa. Uma despedida como se imagina da seleção espanhola, não no momento em que se imaginava: não conheço ninguém que tenha em algum momento afirmado que os comandados de Vicente del Bosque cairiam na primeira fase. Mas aconteceu, faz parte do futebol, torcemos para que a Espanha consiga reencontrar o seu melhor rendimento (a goleada sobre os australianos talvez seja um passo nessa direção), e agora vamos falar especificamente da partida entre holandeses e chilenos.
Desfalcada de Bruno Martins (zagueiro que se lesionou) e de Robin van Persie (atacante que cumpre suspensão pelo segundo cartão amarelo), a Holanda foi para campo com uma escalação surpreendente: Georginio Wijnaldum entrou no meio-campo onde estávamos acostumados a ver Jonathan de Guzmán enquanto Daley Blind (que faz bela Copa até aqui) foi recuado para a linha de defesa, dando lugar para Dirk Kuyt estrear entre os titulares. Wesley Sneijder, Jeremain Lens e Arjen Robben eram os homens mais adiantados num sistema de jogo que tinha como ponto de equilíbrio a compactação entre as linhas, a recomposição precisa em todos os setores e o elemento Nigel de Jong, que se apropriava do entorno do círculo central como se fosse o verdadeiro dono daquele território. A solidez de Daryl Janmaat, Ron Vlaar e Stefan de Vrij aumentavam a segurança na meta protegida pelo bom goleiro Jasper Cillessen. Ou seja, Louis van Gaal tem o time e o elenco na palma da mão. Escalou surpreendendo e o rendimento foi positivo: diante da forte seleção chilena, a Holanda jogou seu melhor primeiro tempo nessa Copa.
Para alegria de quem gosta do futebol bem jogado, Jorge Sampaoli deu uma contribuição relevante para a qualidade do espetáculo. Honrando a alcunha de "discípulo de Marcelo Bielsa", o argentino montou o time com dois alas (Mauricio Isla e Eugenio Mena), dois volantes que subiam com alguma freqüência (Charles Aránguiz e Marcelo Diaz), além de Felipe Gutiérrez centralizado no que formaria um triângulo ao lado de Alexis Sánchez e Eduardo Vargas. A defesa parecia segura com o trio Gary Medel, Francisco Silva e Gonzalo Jara, contando ainda com o goleiro Claudio Bravo. Evidentemente, o impacto da ausência de Arturo Vidal, peça-chave no sistema tático da equipe, é de uma magnitude inestimável. Mas o Chile mostrou-se um time que pode sobreviver sem seu maior craque, jogando de igual para igual com a bela seleção holandesa e tendo amplo domínio no tempo de posse de bola.
Foi interessante observar o alto nível técnico, tático e de competitividade da partida. Um jogo daqueles em que era possível ver o dedo dos respectivos treinadores para procurar alternativas num confronto com cara e jeito de ser definido em detalhes. Me senti assistindo um jogo de dezesseis-avos-de-final. E o que é melhor, onde nenhum dos dois times seria eliminado. Entre ótimas jogadas individuais de Sánchez e grandes arrancadas de Robben, a partida contava também com a bravura de Medel e multi-utilidade de Kuyt, que parecia estar em todos os cantos no Itaquerão. Felizmente, a arbitragem não agiu para estragar o espetáculo nem complicar as coisas, embora fosse uma partida notadamente difícil de se apitar: eram muitas divididas onde o vigor dos zagueiros se chocava com a agilidade dos atacantes. Não houve pênaltis assinalados e um cartão amarelo para cada lado foi o suficiente para manter a partida estável no aspecto disciplinar. Parabéns para Bakary Papa Gassama, de Gâmbia. Um ótimo primeiro jogo de Copa do Mundo, marcado pela simplicidade em apitar e deixar de apitar, sendo o mais discreto quanto fosse possível, embora sem necessariamente agradar a todos.
Para encontrar um jeito de chegar à vitória, Van Gaal e Sampaoli tiveram que recorrer aos suplentes. O primeiro a mexer foi o argentino, que já no intervalo voltou com Jean Beausejour no lugar de um pouco participativo Gutiérrez. Só que Beausejour não conseguiu ser aquele Beausejour dos tempos de Bielsa, que aparecia no jogo esbanjando versatilidade entre as posições de ataque. A defesa holandesa conseguiu encontrar fórmulas de contê-lo nessa partida. Van Gaal, então, tratou de realizar sua primeira alteração: Memphis Depay no lugar de Lens. Como são dois jogadores de características parecidas, a Holanda não alterou significativamente o seu jeito de jogar, mas ganhou potência nos chutes de longa distância - Bravo evitou que Memphis abrisse o placar em remate de fora da área que tinha o endereço da rede, espalmando com estilo.
A torcida chilena (leia-se chilena, brasileira, paulista, palmeirense) gritou por Jorge Valdívia e Sampaoli acabou atendendo, colocando o camisa dez em campo no lugar de Silva. Uma modificação com explícito espírito ofensivo, diminuindo a marcação na linha de defesa e trazendo alguém para articular o jogo no ataque. Van Gaal, por sua vez, provavelmente não ouviu ninguém pedir por Leroy Fer, mas tratou de colocá-lo em campo no lugar do camisa dez Sneijder. E não é que Fer logo abriria o placar? Dois minutos depois de adentrar o gramado, Fer subiu bem após jogada de escanteio e aproveitou o cruzamento de Janmaat, mandando a bola no canto esquerdo sem dar qualquer possibilidade de defesa para Bravo. 1a0 Holanda em Itaquera, aos trinta e um no segundo tempo.
Se o empate já não servia ao Chile em sua tentativa de terminar em primeiro no grupo B, a derrota no placar foi encarada por Sampaoli como uma necessidade de mexer novamente: Mauricio Pinilla entrou no lugar de Vargas, aumentando a presença de área no ataque chileno. O camisa nove até se esforçou, mostrou-se "brigador" e manteve-se firme na difícil missão de fazer o pivô no meio de tantos zagueiros fortes e competentes. Sánchez continuava se apresentando como a melhor alternativa ofensiva, conseguindo encontrar espaços na base da habilidade. Mas faltava gente para trocar passe com o camisa sete, algo que pouco mudou mesmo com as presenças de Beausejour, Valdívia e Pinilla. O sistema defensivo laranja (é, finalmente a Holanda jogou de laranja nesse Mundial) beirava o impecável. Um dos maiores responsáveis por isso era Kuyt, que pediu substituição após cair no que parecia ser motivado por cãimbras. Terence Kongolo foi o escolhido para substituí-lo e restavam alguns minutos para o apito final. Naquela altura, a virada chilena era improvável, mas o jogo tinha cara de que poderia ser contemplado com mais um golzinho. Então, eis que, nos acréscimos, Robben partiu em disparada puxando contra-ataque pelo flanco esquerdo, foi até a proximidade da linha-de-fundo e tocou na medida para Memphis concluir. Conclusão: 2a0 Holanda e a justa comemoração de Memphis, que foi celebrar com o autor da assistência. Na opinião desse que vos digita, o autor da assistência é o melhor jogador na Copa do Mundo 2014.
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